segunda-feira, 26 de maio de 2008

A Primavera da Lagarta - Tempo de Transformação





"Será que a borboleta lembra que já foi lagarta?
Será que a lagarta sabe que um dia vai voar?”.
Paulo Tatit






Ruth Rocha, escritora brasileira de livros infantis, é autora de uma história de que gosto muito - “A Primavera da Lagarta”. Ela conta como os insetos e pequenos animais da floresta se revoltaram contra a lagarta, pois ela comia vorazmente tudo que encontrava pela frente e depois ficava “lagarteando por aí, bem tranqüila...”.
A formiga, pessoalmente ameaçada pela voracidade da lagarta logo no início da história trata de provocar os outros animais, fazendo-os perceber o quanto a lagarta era “preguiçosa, comilona e horrorosa”. Depois disso, em uma verdadeira cruzada, os bichos saíram para exterminar a lagarta, mas eles não a encontraram. Ao inquirirem uma borboleta que “borboleteava” livremente, acerca do paradeiro da lagarta, quase desmaiaram quando ela respondeu: “Ora, sou eu!”.
Ao fim da história, a borboletinha - com seu jeitinho despretensioso, aconselha docemente o perplexo grupo de extermínio: “É preciso ter paciência com as lagartas, se quisermos conhecer as borboletas”.
No consultório acompanho muitas pessoas passando por grandes transformações. As grandes transformações não acontecem do dia para noite, elas acontecem lentamente, vagarosamente, silenciosamente. Mas, há um momento em que o casulo se rompe, há um “estouro”. Então todos dizem: “Nossa como ela mudou, foi assim... de repente!”.
O psicanalista Rubem Alves escreveu uma crônica de que eu também gosto muito – A Pipoca. Ele explica que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, mas, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar noutra coisa. A transformação, entretanto, só acontece pelo poder do fogo. Segundo ele, “milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre”.
Muitas das pessoas que acompanho, em seus processos terapêuticos, passam mesmo pelo fogo. O espaço terapêutico é o casulo, onde elas ficam ruminando suas histórias, suas alegrias, suas dores - até que acontece o estouro. Entretanto, como disse a borboletinha: é preciso ter paciência!
Muitas vezes percebemos que as mudanças estão prestes a acontecer e ficamos com medo, damos um passo atrás. Como não ter medo? Para que a borboleta viva, o modo de ser e de viver como lagarta tem que morrer.
No grupo de apoio a pessoas que querem parar de fumar, esta semana, escutei uma senhora dizendo: “Quem sou eu? Quem é essa pessoa que não fuma? Eu fumei 30 anos. Não sei quem eu sou sem o cigarro. Não sei se gosto de mim sem o cigarro”. Dá para perceber o fogo da transformação ardendo? Ao escutá-la, lembrei-me do discurso de posse de Nelson Mandela, de 1994:

Nosso maior medo não é o de que sejamos incapazes.
Nosso maior medo é o de que sejamos poderosos além da conta.
É nossa luz, não nossa sombra, que mais nos amedronta.
Nós nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?".
Na verdade, deveríamos nos perguntar: “Quem somos nós para não sermos tudo isso?”.
Bancar o pequeno não ajuda o mundo!
Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras a sua volta.
Nascemos para tornarmos manifesta a Luz de Deus que está dentro de nós.
Esta Luz não está em alguns de nós; ela está em todos nós.
Quando deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos a outras pessoas permissão para fazer o mesmo.
Quando nos libertamos de nosso próprio medo, nossa presença automaticamente liberta outros.
Enquanto resistirmos à transformação, o estouro não acontece. Mas, quando é chegado o tempo da transformação – a primavera da lagarta, tudo a nossa volta também se modifica.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

O Rio de Janeiro continua lindo

Estive no Rio semana retrasada. Véspera de final de campeonato no Maraca - percebi que o Rio é mesmo a mais flamenguista de todas as cidades...
Tá, eu andei praticamente todos os dias pela Gávea e sou flamenguista. Meu olhar bem que podia estar “enviesado”, mas foi o que bastou para me dar uma sensação de pertencimento. O Rio é Flamengo. Eu sou Flamengo. Eu estou em casa! Doce ilusão....
O tempo estava chuvoso e eu andei muito de táxi. Ficava sempre olhando pela janela, tentando ver o que a cidade escondia.
Vi o campo do São Cristóvão. Emocionei-me ao ler, pintado no muro: “Aqui nasceu o Fenômeno!”. Semana ruim para o Ronaldo, não se falava noutra coisa. Os travestis davam entrevistas que eu ouvia pelo rádio. O locutor perguntava: “A Senhorita acha que suasss companheirassss de profissão de algum modo prejudicaram asss pessoasss que vivem desssssssse tipo de economia?”. Nos bares e restaurantes todo mundo comentava. Um flamenguista P-da vida esbravejava: “Fiquei irado! O cara vai pra delegacia pagar um mico dessses vestido com a camisa do Flamengo!”. A amiga indignada respondia: “Quiê quuiê isssso! Carioca, de Bento Ribeiro, não saber o que é traveco?”. Ninguém quer ver a imagem de seu ídolo borrada, maculada. Cariocas e brasileiros – estavam todos inconformados, indignados.
Foi uma viagem divertida, eu ria até de mim mesma. Com medo da dengue eu saia do hotel besuntada de repelente, usava botas e dava uma geral nos ambientes onde entrava. Cheguei a pensar se aquela água que fica nos vasos sanitários poderia ser considerada água parada? Cadê coragem de baixar as calças? Vai que o mosquito me pega bem naquela hora.
Pela primeira vez me hospedei em Copacabana. Sempre que eu ia ao Rio meus amigos descolados avisavam: “Não fica em Copa, lá tem muito turista e consequentemente muita prostituta, muito traveco e muito traficante!”.
O que percebi foi que Copa é um bairro de avôs e avós. Por lá eles resolvem tudo a pé. À noite tem mesmo muito de tudo. Chegando ao hotel, ainda dentro do táxi, passando pela beira mar, percebi que, a cada vinte metros, havia um cara usando um uniforme. Eram uns sujeitos sarados, negros, usavam camisas amarelo marca-texto onde se lia em letras pretas: “Experimente!”. Quis perguntar à amiga que estava comigo o que ela achava que eles ofereciam (letra “a” – sexo, letra “b” – drogas, letra “c” – letras “a” e “b” estão corretas), mas não perguntei, fiquei com vergonha do taxista.
Os taxistas mereciam um “post” à parte. A primeira coisa que eles querem saber quando você entra no carro não é para onde você está indo, é se você sabe onde está indo. Não adiantava dizer: “Copacabana, 995”. Eles queriam saber: “Em que altura?”. Eu ficava furiosa! Jesus Cristo – oh Redentor, esses caras não sabem contar? Rapidinho eu aprendi a dizer que era quase Miguel Lemos. Depois me aprimorei: “Entre a Miguel Lemosssss e a XXXXavier da Silveira”. Vocês acham que eles se davam por satisfeitos? Perguntavam: “A Senhora quer ir por onde?”. Minha vontade era dizer... Melhor não dizer...
Invejei as inúmeras salas de teatro, os ingressos bem bem bem mais baratos do que em Brasília.
Notei que as mulheres da minha idade são lindas, usam roupas de gatinha, mas seus rostos mostram que abusaram do sol num tempo em que bronzeador era: óleo de avião, óleo Johnson com urucum ou Rayito de Sol – uma pasta marrom que tinha que ser importada da Argentina. Filtro solar era uma expressão que não fazia parte do repertório das garotas cariocas suíngue sangue bom - ratas de praia. Agora essas senhoras pagam o preço.
Boa parte dos homens de mais de 40 anos andam pelas ruas vestidos como os jovens de 20 - bermudas compridas, tênis. Saíram da praia, mas a praia não saiu deles. Os cabelos ficaram brancos, caíram, mas eles teimam em manter um corte “moderno”.
Impossível não notar que os cariocas são solidários, que gostam ou precisam ter amigos espalhados por toda cidade.
Passei a semana toda com uma música do Arnaldo Antunes na cabeça:

O seu olhar lá fora
O seu olhar no céu
O seu olhar demora
O seu olhar no meu

O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu

Onde a brasa mora
E devora o breu
Como a chuva molha
O que se escondeu

O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu

O seu olhar agora
O seu olhar nasceu
O seu olhar me olha
O seu olhar é seu

O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu

É, o Rio de Janeiro continua lindo, se você puder ver o que o carioca vê!