terça-feira, 22 de julho de 2008

O que tanto ele pensa enquanto me escuta?


























"Aos doentes tenha por hábito duas coisas - ajudar, ou pelo menos não produzir danos."

Hipócrates

Imagine ser atendido por um médico muitíssimo competente, mas totalmente antipático. Inusitado? Com certeza, mas um grande sucesso na ficção. A série House é líder de audiência na TV por assinatura do Brasil desde que estreou em abril de 2005. O protagonista é o médico Dr. Gregory House, o ator Hugh Laurie. A cada episódio ele e sua equipe trabalham para desvendar os sintomas de seus pacientes. O médico diz o que pensa, é desprovido de boas maneiras e totalmente anti-social, mas seu raciocínio nada convencional resulta em diagnósticos brilhantes e, no fim do dia, todos tiram o chapéu para o antipático Dr. House.
Sou fã da série e outro dia estava refletindo com colegas da área de saúde se, seria possível, um médico, um psicólogo, um odontologista, um enfermeiro, um nutricionista, qualquer outro profissional de saúde - antipático - sobreviver profissionalmente nos dias de hoje.
Concluímos que o conceito chave para a boa relação com aqueles com quem trabalhamos, não é o de SIMPATIA e sim o de EMPATIA. O essencial é que o profissional seja empático.
Muitas vezes se fala que se tem empatia por alguém, usando a palavra empatia como se fosse o mesmo que simpatia. Simpatia e empatia são duas coisas diferentes. Empatia é a capacidade de sentir como seria estar na situação em que outra pessoa está. É poder se colocar no lugar de outra pessoa e vivenciar o sentimento que aquela outra pessoa tem. Existem pessoas, por exemplo, que se sensibilizam com os problemas de outras. Não é preciso que tenham passado exatamente pela mesma situação para que compreendam o que os outras estão sentindo. Vemos isso a toda hora, em diversos tipos de relações humanas, quando um homem é capaz de compreender o sentimento de uma mulher, quando um jovem é capaz de compreender o que sente um idoso e quando uma pessoa saudável consegue compreender a dor de alguém doente. Essas pessoas têm capacidade empática, e é essa capacidade que faz com que elas compreendam o sofrimento alheio.
Colocar-se no lugar do outro, ser empático com o outro, é uma qualidade que enriquece as relações e aproxima as pessoas, possibilitando a formação de vínculo. O vínculo é o laço que une a pessoa que sofre e aquele que se propõe a acolhê-la, seja um familiar, um amigo, o recepcionista do serviço de saúde ou o profissional que o atende. Sem este laço não é possível uma intervenção eficaz. A formação do vínculo pressupõe a existência de respeito e confiança - de ambas as partes!
Se você tem curiosidade em saber o que tanto seu médico, seu odontogista, seu terapeuta, ou seu nutricionista pensam enquanto você fala, saiba: realmente existem algumas coisas que eles gostariam de poder lhe dizer, muitas delas a la Dr. House:
1) Não enrole, diga logo a que veio!
Vá preparado para a consulta, tenha claro – na mente ou em um papel – o que quer compartilhar com o profissional. Seja honesto, franco, direto. Para fazer um bom diagnóstico e tomar decisões, o profissional precisa ter informações fidedignas. Não fez a dieta, não tomou o remédio – desembuche! Se você não for sincero a vítima vai ser você!
2) Não avacalhe a minha agenda!
Gentileza gera gentileza - se você for faltar, ou atrasar, avise com antecedência. Caso você tenha algum problema de saúde, não acompanhe a consulta de outra pessoa, marque uma só para você.
3)Não, eu não posso só deixar uma receita com a secretária!
O médico é seu parceiro, co-responsável no seu tratamento - não tome e nem deixe de tomar remédios por conta própria, volte para uma consulta de reavaliação.

Farmacêutico não é traficante!O médico também não! Eles não são fornecedores de drogas! Se é assim que você os está vendo, atenção! Quem é você nesta relação?
4) Não, eu não posso ler as páginas que você imprimiu da internet!
Se você gosta de pesquisar na internet, peça ao profissional que lhe indique sites confiáveis. Se for pesquisar por conta própria, verifique se a fonte de informações tem credibilidade. Tire suas dúvidas com o profissional que o acompanha e não em salas de bate-papo on-line.
5)Não, eu não sei se temos uma ouvidoria ou uma caixinha de reclamações por aqui!.
Não gostou de alguma coisa? Gostaria que algo fosse diferente? Diga a quem o atendeu para que tudo seja esclarecido e resolvido de modo rápido e direto.

6)Aqui não é a sala de testes para escola de atores da Globo! Você não quer tratamento, quer só quer um atestado, já saquei!
Se você não quer se tratar, não perca seu tempo, nem o do profissional que o atende.Não banque o ator no consultório, isso é deprimente!

Vamos caprichar nos nossos relacionamentos, porque a verdade é que na vida real gente antipática ou pouco empática, seja profissional de saúde ou paciente, não tem a menor graça!

Totalmente Dona Encrenca esse post, hein!

segunda-feira, 21 de julho de 2008

E aí? Quer pagar quanto?

















Nos jornais eletrônicos de domingo, a insistente e irritante pergunta do moço das Casas Bahia perdeu todo o sentido. A questão do dia não era quanto se queria pagar, era se o que se queria comprar estava ou não à venda. (Mudando das Casas Bahia para o Mastercard) O que rolava nas manchetes de ontem era: KAKÁ NÃO TEM PREÇO!

“Kaká não tem preço. Posso dizer que o Chelsea declarou seu interesse por ele, mas eu lhes disse que não temos intenção de vendê-lo. Acabei com tudo antes até de que chegasse qualquer oferta, portanto não sei se eles realmente fariam uma proposta de 94 milhões de euros (como havia sido especulado pela imprensa britânica)".
A afirmação era de Adriano Galliani, vice-presidente do Milan. Ele disse isso ao jornal italiano La Gazzetta dello Sport e a notícia viajou pelo planeta, instantes depois, como deve ser, nessa World Wide Web.
Fiquei por uns minutos olhando a foto daquele moço bonito, cuja imagem vale mais do que ouro. Kaká é mesmo o bom menino - não há como negar, bom, não, né? Ótimo! Ele - antes de mais nada - joga um bolão! Kaká não se esquece de que é atleta quando está de férias, não se mete em escândalos, não desrespeita os treinadores e dirigentes, não implica com os coleguinhas. Kaká é mesmo tudo de bom e todo mundo, literalmente, já sabe disso. Lembro de quando ele foi a TV falar que caso a violência nos estádios não parasse ele iria pra casa!Muito bonitinho...
Menino de Deus - Kaká é tão centrado, que já tem até plano para aposentadoria. Li em algum lugar que ele vai estudar teologia, quer ser Pastor. Só digo uma coisa: Jesus, Te cuida!
Bom, eu li a matéria e fiquei pensando: o que significa não ter preço para uma organização? para uma empresa? para um time de futebol? O que é isso que 94 milhões de euros não podem comprar?
Gente, não pode ser só o $$$$$ que ele faz entrar no clube, não pode ser só os títulos que ele dará ao Milan, não pode ser só essa possibilidade de identificação que faz o torcedor não saber se torce pelo Milan ou pelo Kaká. Tem que ter algo mais! Sei lá eu o que é, mas que tem, tem.
Tá, “o cemitério está cheio de insubstituíveis”, mas e você? Sabe se , na sua equipe de trabalho, você tem esse algo mais que o dinheiro não pode pagar?

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Entretantos(as) - Minha irmã



No sábado, 5 de julho, véspera do aniversário em que Frida Kahlo faria 101 anos, fui ver a exposição Entretantos (as) dos formando em artes plásticas da UnB. Por quê? Minha irmã Fátima Meira fez-se artista plástica ao longo da vida, mas quis diplomar-se e assim fez. Fui lá prestigiá-la e, como tudo que me causa impacto acaba virando um post, lá vai:
A instalação Tempus Fugit (que quer dizer o tempo foge, a vida é breve) montada por ela para a exposição Entretanto(as) é, à primeira vista, um trabalho surrealista, mas - não querendo incorrer no mesmo erro de André Breton – já reconheço que não é.

Em 1938, Andre Breton qualificou a obra de Frida de surrealista em um ensaio que escreveu para a exposição dela na galeria Julien Levy de Nova Iorque. Frida, mais tarde declarou: "pensavam que eu era uma surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade".
Diante da instalação de minha irmã percebi logo, não, não é sonho - é realidade. Em comum com a obra de Frida - a sensação de desconforto, de perturbação. A quantidade de informações em um pequeno espaço reforça a sensação. O primeiro pensamento foi : “Nossa, é muito!”. Como todas as acepções que o MUITO tem. O que tem de incomum? Ele usou só o preto, o branco e o raro e gritante vermelho sangue. Não pintou. Mas cortou, colou, filmou, fotografou, costurou. Ah, pintou sim, e muito. Bordou, tricotou e, pode-se dizer que esculpiu, também.
Por onde eu começo essa conversa? Pela cadeira de balanço, sem dúvida.
Cadeira de balanço – objeto que nos remete a aconchego e acolhimento, é isso , não é? Não é. Repleta de lâmpadas, subtamente a cadeira de Fátima se acende e nos traz uma sensação diametralmente oposta – a de desconforto, de agonia. As lembranças que de início eram de cadeiras de amamentar, de cochilar, de ler, de ver TV – de repente passam a ser de cadeiras de rodas, cadeiras de carro que pegam fogo, vidros que se quebram, explodem, em acidentes ou por causa de tiros. Sensações, pensamentos e emoções completamente opostos atados em um mesmo objeto no espaço de tempo exato de um minuto.
Sim, as lâmpadas ficam acesas por exatos 60 segundos. Tempo em que você dirige seu olhar para outro objeto - uma clepsidra. A clepsidra é “tipo assim” uma ampulheta de líquído. Sabe qualé? Um relógio. Na instalação o líquido é vermelho e passa por entre recipientes de soro. Agora, o primeiro pensamento foi algo meio assim Arnaldo Antunes: “O pulso ainda pulsa! O corpo ainda é pouco.”
Para mim o momento foi de agonia total. Explico: Quando minha mãe ficava internada uma das coisas mais perturbadoras para mim era vigiar o tal do soro. As veias delas eram muito finas, era difícil acertá-las. Perder uma veia era pior que perder um pênalti em final de copa do mundo, muito pior. Tínhamos que ficar de olho no soro, contar as gotas, correr atrás das enfermeiras, seduzi-las para que não deixassem o soro acabar. Até hoje, quando minha vida não está fluindo, sonho com o soro entupido.
Meu filho Mateus foi à exposição comigo e ele pensa que a tia é uma extensão do corpo dele e por isso ele pensa que o que é da tia é dele, e aí vocês já virão né? Ele mexeu na tal da clepsidra e a merda (minha mãe também fez uma colonostomia, se é que vocês me entendem) do líquido vermelho espalhou no chão. No chão não, no tabuleiro de xadrez.
Sim, o chão em que a instalação está montada é quadriculado, preto e branco. Sacou? Outra coisa muito louca. O xadrez me lembra a Alice perdida no País das Maravilhas. Quando o líquido caiu no chão eu ouvi a rainha gritando: “Cortem as cabeças! Cortem as cabeças!”.Gente, não foi legal!Tive enxaqueca no domingo e na terça feira!
O livro e o filme – Alice no País das Maravilhas – têm símbolos muito fortes, alguns deles presentes na instalação. Desde pequena, eu tenho sonhos com personagens do filme. Quando estou sendo pressionada a decidir alguma coisa, ou quando alguém esta me colocando contra a parede, sonho com aquela lagarta, fumando narguilé, jogando fumaça na minha cara e lerdamente falando: “Quem és tu?”. A instalação toda parece nos perguntar isso.
O espaço em que Tempus Fugit Fugit foi montada é louco. Você entra por um estreito canal (vaginal?)e chega a uma sala escura, uma espécie de útero, bem lá no fundo está a instalação. A realidade é louca. Quem não consegue dar um sentido a realidade acaba louco.
Uma boneca com um daqueles colares “protetores” que impedem que os cachorros fiquem lambendo seus rabos operados é um dos objetos marcantes na instalação - o ID aprisionado. Novamente o encontro dos opostos: o duro e o mole, o prazer e a dor. O lúdico e o lúcido estão lá enlouquecidos e adoecidos.
Mais uma coisa louca, outro dos meus sonhos, este mais freqüente, foi parar em um vídeo, dentro da instalação. Sei lá eu como! (Acho até que sei.) Quando eu ando acelerada, querendo fazer mil coisas ao mesmo tempo, tenho sonhos em preto e branco, onde vez por outra, aparece o coelho do filme Alice no País das Maravilhas correndo, colorido, olhando o relógio e falando: “É tarde, é tarde, é tarde, é tarde, é tarde!”.
Sim é isso, tem um vídeo dentro da instalação. Dentro de um oratório que mistura sagrado e profano, vida e morte, moderno e antigo, passado e futuro - rola um vídeo. No vídeo estão memórias, lembranças, coisas que o vento leva, que a faca corta – tudo em preto e branco, mas, de vez em quando aparece o coelho da Alice, colorido, correndo e falando: “é tarde, é tarde, é tarde, é tarde, é tarde, é tarde”.
Li no Jornal que a instalação da minha irmã era autobiográfica. Bem, se existe uma peça evidentemente autobiográfica na instalação é um vestido. É um vestido simples, leve, branco, (de uma moça nascida no interior do Ceará), que vai sendo marcado pela vida, pelas pessoas que por ela passam. O vestido é sobrecarregado pelas chaves das portas das casas nas quais morou, das gavetas de mesas nas quais trabalhou. Poderia ser o vestido da noiva do Barba Azul, daquela que não podia olhar pelo buraco da fechadura, mas se arriscou. No cabideiro, ao lado do vestido, repousa uma máscara, daquela que fantasia – a figurinista.
A instalação tem outras peças igualmente fortes e diferentemente perturbadoras (o cabideiro em que o vestido está pendurado, não é bem, um cabideiro...), cada objeto é único, mas magicamente tem todo o conteúdo da exposição em si mesmo.
É um retrato de família, ou melhor, de famílias...

Entretanto(as) estará aberta até dia 12 – sábado – meio dia - no Espaço Piloto da UnB – Prédio da Artes Cênicas (aquele com os azulejos do Athos Bulcão). Dona Encrenca recomenda aos aventureiros!