domingo, 11 de outubro de 2009

Eu, minha meninas, e as compras III


Os posts com os surtos nas compras fizeram certo sucesso. Quem lia, elogiava, me contava seus próprios surtos e eu dei boas risadas com histórias que eu jamais poderia imaginar.
Aquela minha amiga, tão centrada, tão controlada, tem dois pares de sapatos iguais no armário? Impossível! E sabem o melhor (pior)? Ela nunca usou nenhum dos dois.
Desta vez vou contar o santo – a Santa Gisele - “Minha Colega de Trabalho”, médica, intensivista, treinada na vida e na profissão a agir com rapidez e coerência... pois bem...
A Gi tinha um sapato preto e branco – bicolor. Ela adorava esse sapato que havia comprado em São Paulo. Lembrava-se de que, no dia da compra, pensara:
- Eu devia levar dois. Esse sapato é a minha cara!
Sensata, só comprou um.
Anos depois, o tal sapato, de tão usado, não estava em condições nem de ser doado e Dra. Gi, novamente em São Paulo, resolveu procurar um substituto à altura. Encontrou um similar e, desta vez, não hesitou – comprou dois!
E aí... ambos os dois pares, juntos, no exagero, na redundância - por haver infligido aos seus pesinhos sofrimentos inenarráveis - passaram a repousar, unidos, no fundo de seu armário.
Depois deste e de outros relatos, tive certeza, “alguma coisa acontece” em Sampa, mas não é onde Ipiranga e São João se cruzam...
Fui informada de que no Century Twenty One, em Nova York, eu também não fui a única a surtar não...
A Riachuelo parece ser outro Templo da Perdição. Por lá, outra “Colega de Trabalho” atacou uma arara cheia de cachecóis e levou pra casa um branco, uma azul, um verdinho, um marrom, um marrom com laranja...
Estão todos lá no closet dela viu? Se alguém precisar ela empresta.
Outro ponto interessante: percebi que, quase sempre, quem conta um surto tem a necessidade de contextualizá-lo:
- Eu tinha acabado de terminar um namoro...
ou
- Eu estava no Rio, com meus dois filhos pequenos, meu marido estava estudando para passar em um concurso, fui convidada para ir a uma festa...
E aí... aquele vestidinho caríssimo exposto na vitrine foi comprado em menos de 10 minutos.
De modo que, a surtada que encerrará a trilogia, merece que seu contexto seja compartilhado.
Quem nunca passou uma temporada fora do Brasil e morreu de saudades de um arrozinho com feijão atire a primeira pedra nesta minha amiga, “Mãe Marista”.
Flávia é loira, tem olhos azuis – é mesmo linda. Linda e hiperativa. Totalmente funcional. Faz tudo acontecer com eficácia, desenvoltura, competência e rapidez. Deste modo ela administra finanças, obras, campanhas beneficentes e, claro, a vida do marido e de três filhas pequenas. Só por isso ela já teria o direito de surtar, ao menos, uma vez por semana. Mas, em geral, ela é muito comedida, compra o que precisa, avaliando a qualidade, a durabilidade e o preço.
Para vocês terem uma idéia, a Flávia é indicada para ser entrevistada por representantes de empresas que querem se instalar em Brasília. É verdade. Ela avalia os produtos, dá um parecer e...voilá! Lá se vai um representante comercial sabendo que seu produto é bonito, sofisticado e podia ser melhorado, mas que se não for, vai ser vendido em Brasília do mesmo jeito. Comprado por ela? Jamais!
Flávia é mineira, mora em Brasília há anos, mas seu surto aconteceu quando ela morava nos Estados Unidos. Ela já estava lá há séculos. O marido foi a trabalho. Como as meninas eram bem pequenas, ela se dedicava “apenas” ao lar. Arrumava, lavava, passava, cozinhava, levava as meninas à escola... Com amor, carinho, aproveitando aquele momento e sabendo que as meninas teriam aquelas lembranças para sempre. Entretanto, contava os dias para voltar ao Brasil, e faltavam exatamente 58 dias para Flávia se ver livre das roupas de dona de casa americana, quando...
Soube de uma feira de produtos brasileiros na cidade em que morava, colocou as meninas no carro e voou para o lugar. Ela conta:
- Gente, quando eu entrei na feira, eu senti um cheiro de pastel... Enlouqueci!
Pediu um de carne, um de queijo, outro de banana com queijo, um de queijo com goiabada. Enfim, toda a mineirice dela veio à tona.
Ela segurava um pastel, colocava outro na boca, entregava um para uma filha, outro para a outra. Totalmente feliz, preenchida, vivendo aquela alegria que só a gordura e o açúcar podem nos trazer.
Não gente, o surto não foi esse não. Ou, melhor, não foi só esse não.
Ela continuou andando pela feira e encontrou pão de queijo. Pão de queijo. Puro. Simples. Pão de queijo.
Ela comeu horrores e fez as meninas comerem também.
- Come filha, é pão de queijo!
Um, dois, cinco, nove pães de queijo depois... quando já estava saindo, a vendedora ofereceu:
- A Senhora não quer levar uns saquinhos para assar em casa?
Ela avançou na mulher.
- Claaaaaaro! Quantos a senhora pode me vender?
- Eu tenho muitos. Quantos a senhora quer?
Pergunta maldita.
Flávia fez as contas. Cada saquinho tem uns 15. Nós somos 5. Cada um deve comer uns 6 por dia. Então são dois saquinhos por dia. São 58 dias... A senhora tem uns 100 saquinhos?
A vendedora está sorrindo até hoje. Muito contente e solícita, ela vendeu para Flávia os 100 sacos de pão de queijo congelados e também os containeres refrigerados onde eles estavam guardados, para que ela pudesse transportá-los e armazená-los em segurança.
Pensam que acabou?
De jeito nenhum. Surtada em 100, surtada em 1000.
Enquanto rolava a operação “junta gente para levar esses containeres até o carro”, a tal vendedora resolveu oferecer água de coco para as crianças.
- Água de coco? A senhora tem água de coco? Por que não me disse antes?
E pronto.
- Beba filha! Beba! É água de coco!!!
(Detalhe, as meninas não nasceram nos Estados Unidos. Elas estavam cansadas de saber o que era água de coco e pão de queijo!).
Resultado: além dos 100 sacos de pão de queijo, Flávia levou para casa 250 garrafinhas de água de coco. Daquelas pequeninhas, de 250 ml - para que cada um pudesse tomar ao menos uma por dia, até a hora de voltar pro Brasil.
- Mãe, isso não estraga não?
- Não filha, está congelado. A gente vai descongelando aos poucos...
Todo surto, que é surto bom mesmo, acaba diante de um marido boquiaberto. Com a Flávia não foi diferente.
- Meu amor o que é isso?
Ela se deu conta da loucura. Perdeu a pose? Nunca!
- Viu, meu bem, o que eu achei? Nesses últimos dias nos vamos viver como se já estivéssemos no Brasil!
E não se falou mais no assunto. Ela foi assando os pães, dia após dia e foi tomando água de coco, dia após dia.
Lógico que lá pelas tantas ela já estava oferecendo aos vizinhos, ao carteiro, dando para os cachorros da vizinhança e, mesmo assim, sobrou muito pão de queijo e muita água de coco.
Sorte dela ter um marido compreensivo, fosse um outro, ela só ia voltar ao Brasil depois de ter tomado a última gota de água de coco.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Eu, minhas meninas, e as compras II


Para que ninguém me acuse de contar só os surtos das minhas amigas, vou contar um dos meus.
Foi em 1996. Eu tinha acabado de chegar de uma viagem de 40 dias pelos Estados Unidos – Arizona, Texas, Colorado e Utah. A viagem foi, na verdade, uma jornada xamânica. Eu acampei no deserto, desci o Grand Canyon montada numa mula, fiz sauna sagrada, participei de rituais de cura e de experiências de auto-conhecimento comuns entre índios americanos. Eu cheguei exausta, mas, logo depois desse programa de índio norte-americano, 3 de minhas melhores amigas avisaram: - Estamos indo para Nova York fazer compras.
Eu, que estava precisando de uma boa dose de realidade, não quis nem saber da falta de grana. Pedi uma ajuda a minha mãe, arrumei minha mala e fui.
Meu surto foi no Century Twenty-one, um shopping que ficava ao lado das torres gêmeas.
Eu estava passeando entre araras com roupas de estações passadas de estilistas famosos, quando vi um blazer do Jean Paul Gaultier, exatamente do meu número.
Gaultier era, na época, o queridinho da Madonna.
O tal blazer estava amarrado na arara. É, estava preso por uma corrente, com cadeado e tudo. Sabem aquelas correntes de prender bicicleta? Aquelas que ficam dentro de uma mangueira de borracha transparente? Pois é. Para que eu pudesse experimentar meu objeto de desejo, eu precisava de uma vendedora com uma chave.
Rapidamente pedi ajuda a minha amiga Rosa.
- Rosa, olha o que eu achei! Mas, tá preso...
Ela puxou o cabide e a etiqueta com o preço apareceu :US$500,00.
A Rosa falou olhando bem nos meus olhos:
- Você tá doida?
- Rosa, é do Gaultier!
- Podia ser do Van Gogh, custa US$500,00!
- Não, Rosa. Olha aqui. Ele custa US$1.000,00. Só que está com 50% de desconto. Eu vou economizar US$500,00.
Já me puxando para longe do blazer a Rosa falou:
- Pois você vai economizar US$1.000,00. Eu vou te tirar daqui agora!
A vendedora vendo aquele movimento, chegou perto e disse:
- Do you wanna try it?
A Rosa deu pulo e respondeu:
- No, thank you! Ela não vai experimentar nada (Em português mesmo, juro!).
A vendedora toda simpática, com a chavinha na mão, disse:
- Try it! It’s sooooo beautiful!
A Rosa foi longo dizendo:
- Dani, o blazer é de ve-lu-do! Você mora em Brasília, lembra? Vai usar esse blazer de US$500,00, quando?
Eu consegui me livrar dela, agarrei o blazer outra vez e disparei para a vendedora:
- Yes... It is reeeeally beautiful!
Eu parecia hipnotizada. Aí a Rosa se desesperou e chamou minha outra amiga:
- Meg, corre aqui! Me ajuda! A Dani surtou.
A Meg, muito calmamente, se aproximou e ainda sem ver o blazer e sem saber do preço disse toda meiga:
- Deixa ela comprar, Rosa...
- Deixo nada! Ela depois se recupera e me pergunta porque foi que eu deixei, que tipo de amiga eu sou, porque eu não bati na cabeça dela com um tijolo...Você parece que não a conhece...
A vendedora neste momento pegou a corrente e começou a abrir o cadeado. A Rosa não se conteve:
- Dani, olha bem pra mim! Esse blazer É VERDE! Ele é da cor das cortinas do Teatro Nacional! Você vai ficar parecendo a Scarlet O’hara, com roupa feita de cortina. Larga esse blazer! Vamos pro hotel. Se amanhã você ainda quiser um blazer de veludo verde, eu volto aqui com você, e você compra.Combinado?
Sai do shopping de cabeça baixa, angustiada. Ainda na porta olhei pra Rosa e disse:
- Amiga, e se amanhã a gente chegar aqui e ele já tiver sido vendido?
Ela me abraçou e disse:
- Eu te garanto, ele vai estar aqui! Ele vai ficar aqui pra sempre!

Eu, minhas meninas, e as compras I





Sou uma mulher cercada por mulheres desde o berço. Ao nascer 5 Marias me esperavam: minha mãe - Maria Assumção, Maria da Glória - minha irmã mais velha, as gêmeas – Maria Fátima e Fátima Maria, e Maria Lúcia. Os homens estavam lá – meu pai, meu irmão César – mas não em primeiro plano. Como ocupar o primeiro plano com elas tendo tanto a falar? Difícil demais...
Na juventude me acostumei a andar em bando, mas desde lá meu bando era feminino. Ainda jovem, mas já adulta, descobri que melhor do que ter amigas era ter inimigas. Vou explicar.
Eu e certo grupo de amigas, ao invés de fazermos “amigo-oculto” nos fins de ano, fazíamos “inimigo-oculto”. Cada uma comprava para a outra algo que fosse barato, trash, que lembrasse um episódio triste, desagradável, ocorrido naquele ano. A criatividade ia longe. Fazíamos encenações, compúnhamos músicas, construíamos artefatos surrealistas. Passamos a nos chamar de “As Inimigas”, considerando o fato de que só uma inimiga é capaz de rir da sua desgraça com tamanha desenvoltura. Com o casamento, os filhos e a maturidade, As Inimigas deixaram de trocar esses “presentes”. Mas, nunca nos separamos. Agregamos novas inimigas ao grupo e seguimos a vida.
Sou psicóloga, por isso desde a graduação vivo cercada por profissionais de saúde, em geral mulheres - médicas, enfermeiras, nutricionista, psicopedagoga, dentistas. E daí surgiu meu segundo bando, o grupo que numa alusão ao Silvio Santos chamo de “Minhas Colegas de Trabalho” – uma verdadeira equipe multidisciplinar!
Três, neste caso, não é demais. Tenho outro grupo de amigas com quem me encontro regularmente – o das “ Mães Marista”. Todas são mães de crianças que estudam na escola do meu filho. Vocês podem pensar que esse grupo é chato, que a gente só fala de filhos, de deveres de casa, de professoras, de empregada... Não vou me dar ao trabalho de desmentir. Só digo que este grupo é o mais boêmio - é o que mais bebe, mais come, mais dança... Tire suas próprias conclusões...
Foi entre as Mães Marista que o assunto deste post começou:
- Vocês já surtaram nas compras? Já compraram alguma coisa e se arrependeram mortalmente depois?
A pergunta veio de uma amiga que é economista, trabalha no Banco Central. Pense! Eu pensei que ela ia puxar a conversa para um lado, e ela imediatamente virou pra outro. Dizendo em seguida:
- Gente, eu surtei na Riachuelo!
Eu caí na gargalhada! - Na Riachuelo? Jesus, que perigo!
Ela logo contou de sua loucura por roupas de cama, sejam elas: as ótimas, as muito boas, as boas, as muito caras, as caras e, como não? As de bom preço.
Ela contou que entrou na Riachuelo e viu a palavra mágica: PROMOÇÃO! Os edredons eram bons, bonitos, estavam a um bom preço.
Como não estariam? Era verão. Moramos em Brasília... (Onde nem no inverno a venda de edredons deve ser grande...)
Minha amiga agarrou 2 de casal para ela, e 4 de solteiro. Dois para cada filho! (Se eu mereço dois eles também merecem, como não?).
Ela catou três vendedoras para que a ajudassem a carregar tudo até o caixa e lá se foi. Foi? Foi. Até o carro. Numa verdadeira caravana. Ela e as três vendedores atrás, ajudando a carregar os edredons.
Naquela fila indiana meio doida caminhando pelo shopping a ficha começou a cair. Minha amiga pensou:
- Isso não vai caber no carro!
Abriu o porta-malas, apertou um aqui, outro ali. Com todos os bancos abarrotados e sem conseguir enxergar sequer uma pontinha do vidro traseiro, ela rumou pra casa.
- Onde é que eu vou colocar esses edredons quando chegar em casa? Pensava ela pelo caminho.
- Ah, meu marido me ajuda!
Ledo engano! Ela desceu do carro. Pegou um edredon e subiu em busca da tal ajuda. Mas, quando ela abriu a porta, com apenas um edredon nas mãos, o marido a olhou espantado e perguntou:
- O que é isso? Para que você comprou um edredon? Onde é que você vai colocar isso?
Ela nem respondeu, deu meia volta e rumou para a Riachuelo. Devolveu tudo! Os seis edredons!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Senhor, Piedade!

























Em uma bela manhã de primavera - o céu azul, azul - uma cliente que eu já acompanhava há quase um ano, entrou no consultório de um jeito nada peculiar.
Ela, em geral, chegava com um sorriso no rosto. – "Bom dia! E aí, doutora? Como foi o fim de semana?". Andava até a poltrona com se fosse um barco, navegando. Caminhava com certo molejo e atracava suavemente na poltrona.
Naquela segunda-feira, ela mal me olhou. Entrou esbaforida, jogou-se na poltrona, colocou as mãos fechadas sobre os olhos e, enquanto eu me sentava diante dela, soltou uma frase curta e direta:
- Eu sou bipolar! Eu sei que sou!
Meus óculos escorregaram para a ponta do meu nariz, quando eu, no susto, tentei olha-la nos olhos.
Não que ela não fosse bipolar. Era. Dos pés ã cabeça, da primeira linha do CID à última do DSM, o diagnóstico lhe cabia, sem sombra de dúvida.
Eu jamais havia lhe colocado um rótulo. Sinalizava suas alterações de humor, os riscos de seus altos e baixos, as conseqüências para quem estava perto.
Em terapia ela já havia explorado inúmeras vezes as dores e delícias de uma vida nada padrão, nada careta.
Ela fazia uso de medicamentos desde a adolescência, com dificuldade, com resistência, por vezes anarquicamente, mas usava e sabia por que os usava. Ou não sabia? Fiquei confusa, surpresa. Perguntei: - E o que é ser bipolar?
Ela sentou-se mais na beira da poltrona e apontando o dedo na minha direção, falou:
- Viu? Se eu não fosse você ia me perguntar: De onde você tirou essa idéia?
Respondi com um leve sorriso nos lábios:
- Se você entrasse aqui correndo e me dissesse assim -‘Eu sou uma abóbora! Eu sei que sou uma abóbora!’, eu ia te perguntar: O que é ser uma abóbora? O que muda na sua vida agora que você descobriu que é uma abóbora?
- E que eu não quero ser bipolar. Ser bipolar é ser doente. Eu quero ser excêntrica, doida, diferente, especial, genial.
Ficamos as duas em silêncio, nos olhando, por uns minutos. Aí ela se acomodou na poltrona, respirou e disse:
- E aí? Como foi seu fim de semana?
Eu, como em todas as outras sessões respondi: - Normal. E o seu?
Então, ela, como em todas as outras sessões, começou a me contar todas as excentricidades e doidices de seu fim de semana.
Enquanto ela falava, pensei no Cazuza – o poeta da minha geração. A letra do Blues da Piedade passou pela minha cabeça e, pela primeira vez, vez total sentido.
Seus versos falam de:
Pessoas de alma bem pequena/ Gente que não muda quando a lua é cheia/
Os versos pedem:
Piedade Senhor piedade pra essa gente careta e covarde/
E Cazuza propõem:
Cantar pra pessoas fracas/ Que estão no mundo e perderam a viagem/ Somos iguais em desgraça/ Piedade senhor pra esta gente/ Pra essa gente careta e covarde/ Lhes dê grandeza e um pouco de coragem.
Bom material para minha própria terapia – Nós, os médios, medianos – estamos condenados à mediocridade, à dita normalidade.
Senhor, piedade de nós!


Este post é ficcional. Na verdade, ele é fruto de um delírio. A única coisa real é que, só agora, o Blues da Piedade passou a fazer sentido para mim.


domingo, 4 de outubro de 2009

Sobre quebra-cabeças...


Meu filho Mateus adora quebra-cabeças. Ainda bebê, começou com os de peças gigantes, de madeira, que eu comprava na Feira dos Importados. Depois, passou para os de peças quadradas, próprios para crianças pequenas e, logo depois, ele já estava montando os de 25 peças, os de 50, os de 100, os de 150, os de 500, os de 1500.
Lógico que eu tenho que ver, que ajudar, que não deixar ninguém mexer... coisas de mãe, de parceira, de fã. Durante a execução destas “tarefas”, comecei a pensar nas semelhanças que existem entre um quebra-cabeça e a vida.
Em um quebra-cabeça cada peça é parte muito importante no grande quadro. Na vida, cada pessoa, cada acontecimento monta nossa história.
Como peças de um quebra-cabeça, cada um de nós é único, especial, tem seu próprio jeito. Embora sejamos semelhantes, não há duas pessoas iguais. Ironicamente são nossas diferenças que nos fazem “encaixar”.
Um dia vi que o Mateus cismou que havia uma peça que pertencia a um lugar em particular. “Mãe essa eu sei que é parte do Tai Lung!” (Tai Lung é o leopardo da neve do filme Kung-Fu Panda). Só que ele tentava e não encontrava um lugar pra ela. Deixava a peça de lado, depois tentava outra vez, e nada. Passava um tempo, ele esquecia que já havia tentado, tentava outra vez. Ele estava focado, certo do fato de que a peça era daquele espaço.
Pensei em quantas vezes eu fiz a mesma coisa em minha vida, tentando fazer acontecer coisas que simplesmente não eram para ser. Nada do que eu fiz mudou isso.
Eu vi também que muitas vezes perdemos um tempo danado procurando um pedaço específico (o cara certo/a mulher certa, o melhor emprego/o melhor lugar para trabalhar, o apartamento/a casa ideal, a cidade perfeita para morar).
O Mateus um dia disse: “Mãe, agora eu vou achar o pé do Bumblebee (Transformers), não é possível que eu não ache! Ele é amarelo!”. Ele virou, mexeu, embaralhou ainda mais as peças. Não achou. Ficou P. da vida! Acusou a faxineira de ter mexido na mesa para limpar, de ter jogado a peça no lixo. Revirou a caixa do jogo de cabeça para baixo. Nada. Aí ele foi ao banheiro, e quando voltou achou imediatamente a peça.
Tenho enorme respeito pelas peças que me montaram como eu sou hoje. Morro de saudades do meu quarto na casa dos meus pais, do meu apartamento no Guará, das dores e alegrias da minha vida de solteira. Mesmo que eu tenha tentado forçar a barra e colocar peças em um lugar em que não cabiam, elas acabaram por se encaixar em outro ponto e lá, tem sua importância.
A diferença entre quebra-cabeças e a vida é que: os quebra-cabeças têm uma forma fixa, a gente monta, desmonta, remonta e o quadro montado é sempre o mesmo. Na vida, não. Quando a vida é "remontada", revista, tudo pode ganhar outro significado. Uma peça que se encaixou em um lugar por um tempo, pode, em outro, não se encaixar mais. Você pode olhar para pessoas e acontecimentos em sua vida “N” vezes e a cada hora ver coisas que não via antes.
Mas, de qualquer modo, precisamos buscar dar sentido ao todo. Ainda que esse sentido possa mudar o tempo todo.
“Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. ‘Quem sou eu no mundo?’ Essa indagação perplexa é lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.”
(Paulo Mendes Campos, em Para Maria da Graça).