quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

As pessoas mentem










Meu marido acaba de me telefonar. Perdeu uma viagem a Israel. Estava chateado, afinal de contas sua esperança foi frustrada, mas me contou rindo. É o jeito dele...
Perguntei: Por que a viagem furou?
Ele respondeu: Porque as pessoas mentem!
Lembrei de um tempo em que eu freqüentava saraus, melhor dizendo/escrevendo, tertúlias...

 Adorava recitar Augusto dos Anjos. Para mim, Augusto só tem sentido lido alto*.


*Eu queria mesmo era escrever, que ele só tinha “graça” em voz alta, recitado, mas tenho certeza de que o autor se ofenderia gravemente.

Eu gostava muitíssimo de ver as expressões nos rostos dos amigos. Nós ali sentados, pilhas de livros a nossa volta, velinhas acesas, os sentimentos exacerbados pela poesia, pelo vinho e pela boa comida, e era eu ler Augusto dos Anjos – se quebrava imediatamente o clima de encantamento!


Certos amigos pensavam que eu recitava Augusto porque estava deprimida, mal-amada, mal-comida. Vá lá! Algumas noites isso era bem verdade. Entretanto, na maioria das vezes eu tinha mesmo era a necessidade de contemplar um lado da natureza humana – a capacidade de trair, de ferir, de mentir, de abandonar. Por isso “estragava” o momento, meio que para lembrar que a vida, a intimidade e a poesia também, às vezes, têm cheiro de podre. Fazer o quê?


Hoje convido, leia você em voz alta:


VERSOS ÍNTIMOS



 Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


Descobri esta semana, folheando na Livraria Cultura: O poema acima foi incluído no livro "Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século", organizado por Ítalo Moriconi para a Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2001, pág. 61.