terça-feira, 4 de outubro de 2011

Nova York não é mais a mesma

“Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio"
Heráclito


Cheguei! Depois de uma semana passeando e comprando em Nova York, cheguei. Voltei cansada, carregada, feliz e espantada!

A cidade não é mais a mesma desde minha visita 15 anos atrás. Eu não sou mais a mesma. A América não é mais a mesma. O mundo é outro. Muitas vezes durante a viagem pensei da frase de Heráclito (540 a.C.- 470 a.C.) - “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio".

Explico: a primeira idéia de Heráclito foi a da unidade dos opostos. Segundo ele absolutamente tudo na vida é composto por fenômenos, valores ou tendências totalmente opostas, mas que se complementam. Uma estrada tem uma subida e uma descida. E continua sendo uma estrada só, e não duas. Para um a tulipa de cerveja está meio vazia, enquanto para outro ela está é meio cheia... A tulipa é a mesma, mas há opiniões opostas a seu respeito. Para Heráclito não há discordância de opiniões, as opiniões não são contraditórias, são complementares, pois a tulipa está, na verdade, meio cheia e meio vazia.

O que Heráclito queria dizer com isso é que as contradições são naturais e nem sequer devemos lutar contra elas, e sim aceitá-las. Quando tentamos eliminar a contradição, estamos, na verdade, buscando eliminar a própria realidade. O que percebemos disso é que a realidade é, portanto, totalmente instável, pois nela habitam os opostos. Nada é permanente. Tudo está em mudança o tempo todo.

Daí nasce a segunda observação de Heraclito: “tudo flui”.

Segundo ele, ” ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio”, pois na segunda vez a pessoa não será a mesma e o rio também já não será o mesmo, aquela água já se foi, e é outra…

O MET não era mais o mesmo, a Macy’s não era mais a mesma. Melhor? Pior? Não sei dizer...

Não me lembro de, na primeira vez, ter sido mal tratada por funcionários da alfândega, policiais ou por atendentes no Starbucks (Há 15 anos nem café eu tomava!).Desta vez fui, e muito.

De início justifiquei – “Eles precisam ser assertivos, ser produtivo, neste momento, é mais importante do que ser educado...Trabalhar em uma cidade grande requer agilidade e eles não suportam gente “lerndando”.

No fim da viagem meu saco é que já estava meio cheio – Eles são grosseiros, rudes, mesmo. Pronto, falei!

Lembrei-me de ter pedido na viagem anterior para tirar uma foto com um policial na Times Square. Ele sugeriu que eu colocasse as mão no carro da polícia e afastasse as pernas, simulando um “baculejo”. Isso hoje seria simplesmente impensável! Eles não têm mais tempo para fazer graça, não há nada engraçado na recessão. Eles estão tristes, amargurados. Wall Street estava ocupada. Há gente pedindo esmolas para os desabrigados. Há jovens desempregados sentados nas calçadas pedindo dinheiro.

Minha opinião: o primo rico está pobre e nós somos os primos pobres que estão ficando ricos. Isso os irrita e muito!

Os guias de turismo, os taxistas, não falam com alegria da cidade, só ressaltam suas mazelas. “Aqui morava uma senhora que deixou bilhões de dólares para o cão quando morreu...” “Este prédio foi construído por um sujeito que herdou muito dinheiro, nunca produziu nada, sempre foi um especulador imobiliário, hoje ele troca de esposas a cada 10 anos, sempre por um modelo mais novo...”. “sabem por que aqui tem estes bueiros de onde sempre sai fumaça? Porque o diabo precisa lembrar que vocês estão andando sobre o território dele!”. “Senhora, em 15 anos este país vai estar igual ao seu! Vamos ser assaltados dentro dos carros!”.”Times Square é lugar de turista trouxa! Não fique por lá!” “Já conheceu o Hard Rock Café? É um lugar onde se paga 25 dólares por uma camiseta vagabunda e se come uma péssima comida!”.

Eu poderia escrever outras 20 frases parecidas com esta. Apesar de ter escutado tudo isso, meu copo estava meio cheio e nada ia mudar isso, ponto final. O deles, infelizmente, estava mesmo meio vazio. Eu achei os anúncios da Times Square BELÍSSIMOS! A definição da imagem é simplesmente deslumbrante. Fiquei sim feito uma turista trouxa boquiaberta em frente ao anúncio do MeM.
Assisti aos shows na Broadway como criança, encantada! Comprei o guarda-chuva da Mary Poppins (e a bolsinha também!) e até chorei no Rei leão.

Fiz passeio de helicóptero, fui ao MoMa, ao MET e ao Guggenheim. Vi o Brooklin à noite, passeei no Halem, caminhei na Wall Street e até no Central Park desta vez eu fui.

Curti cada minuto e ainda comprei o Marrocan Oil. O quê? Você não sabe o que é Marrocan Oil? Assunto para outro post. Prometo!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Saudades da Chuva...








A ausência de chuva nos últimos 117 dias me fez sonhar com minha última visita a Florianópolis, ou melhor, com minhas últimas visitas.
Em abril deste ano estive em Florianópolis acompanhando meu marido que fez a “Volta à Ilha” correndo com “Os Bruxos” – um grupo de amigos corredores nada convencionais. Os Bruxos se divertem correndo, seja debaixo de chuva, de sol quente, na areia, na lama, no asfalto, descendo ou subindo. Para eles, desde que estejam movendo os pés, tanto faz o terreno ou o clima. Liberadas as endorfinas, “Os Bruxos” voam sem vassouras e estão sempre dando risadas - bando de doidos!
Este ano, como no ano passado, no período da corrida, choveu em Floripa. Choveu ininterruptamente. Às vezes chovia muito, às vezes pouco, mas choveu o tempo todo.

Meu maridinho, que não é bobo nem nada, pra garantir a felicidade da família, nos hospedou num hotel lindo. O pessoal do hotel, que também não é bobo nem nada, sabendo que iria chover durante toda nossa estada, pra garantir nossa felicidade, nos deu um up-grade de quarto e nos presenteou com o que tinham de melhor – a linda vista dos morros e da praia, cama Super-King, lençóis de algodão egípcio centos mil fios e uma boa banheira de hidromassagem. Sair do quarto pra quê? Eu tinha um livro delicioso e meu filho um Play Station Portátil, livros para colorir e muitos lápis de cor. Cortinas abertas e pronto, marido liberado para correr.

Foi então que descobri que quando chove as praias ficam mais bonitas. Durante a chuva a praia fica lisa, solitária. Quase ninguém. Nunca fui do tipo praia de Porto Seguro - com falatório, agito, som… Até vou, mas não curto. Em Floripa percebi que prefiro a música do mar e do vento porque ela faz eco na minha alma. Lá, eu nem ouvia vozes humanas, só o pio dos pássaros. Meus pensamentos vinham mansamente, eu sentia minha alma se aquietando diante do mar gelado.

Quando voltei pra casa as pessoas perguntavam: - E aí, fez sol?

Eu respondia toda feliz: - Nãããããao, choveu o tempo todo!

Ai que saudades daquela chuvinha boa... 

segunda-feira, 19 de abril de 2010

David - Medo e Atrevimento


Fui a Florença em 2006. Fui não, passei correndo. Estava em Roma para um Congresso e corri lá dar uma espiadinha numa coisa. Eu queria ver o David do Michelangelo de perto.
Sempre que eu via alguma foto ou reprodução da escultura, imaginava que o David estava pensando: “Eu vou dar uma pedrada bem no meio da testa desse gigante...”. Para mim, ele parecia ter um olhar que misturava medo e atrevimento, um jeito de adolescente na plenitude de sua força e ainda sem muito juízo, sabe?
Pois bem, cheguei lá na Galeria Accademia de Florença, e fiquei meio abestalhada olhando o David banhado pela luz do sol que passa pela cúpula. A escultura estava limpinha, limpinha, reluzindo. O ar carregado de pó de mármore. A escultura havia passado por um processo de restauração e a sensação que dava era de que Michelangelo acabará de largar o martelo e o cinzel. Coisa de doido.
A escultura é muuuuito mais do que eu tinha imaginado. Ela tem mais de 5 metros de altura, mas me pareceu beeeem maior, ou fui eu que encolhi diante dela, sei lá. Bom, toda a escultura diz: “Eu vou dar uma pedrada na testa desse gigante...” - não é só o olhar. A pedra sorrateiramente escondida na mão, a outra mão pegando a funda discretamente, a sobrancelha desgrenhada, a boca levemente tensionada – tudo é medo e atrevimento, simultaneamente. Cada músculo da coxa mostra isso.
Por que resolvi blogar sobre isso hoje? Anos depois? É que aquela fração de tempo em que tudo pode mudar, aquele segundo, que antecede a queda de Golias ou a iminência da morte de David, mora em nós e sinto que minha hora se aproxima, em breve vou dar uma pedrada na testa de um gigante...

domingo, 11 de outubro de 2009

Eu, minha meninas, e as compras III


Os posts com os surtos nas compras fizeram certo sucesso. Quem lia, elogiava, me contava seus próprios surtos e eu dei boas risadas com histórias que eu jamais poderia imaginar.
Aquela minha amiga, tão centrada, tão controlada, tem dois pares de sapatos iguais no armário? Impossível! E sabem o melhor (pior)? Ela nunca usou nenhum dos dois.
Desta vez vou contar o santo – a Santa Gisele - “Minha Colega de Trabalho”, médica, intensivista, treinada na vida e na profissão a agir com rapidez e coerência... pois bem...
A Gi tinha um sapato preto e branco – bicolor. Ela adorava esse sapato que havia comprado em São Paulo. Lembrava-se de que, no dia da compra, pensara:
- Eu devia levar dois. Esse sapato é a minha cara!
Sensata, só comprou um.
Anos depois, o tal sapato, de tão usado, não estava em condições nem de ser doado e Dra. Gi, novamente em São Paulo, resolveu procurar um substituto à altura. Encontrou um similar e, desta vez, não hesitou – comprou dois!
E aí... ambos os dois pares, juntos, no exagero, na redundância - por haver infligido aos seus pesinhos sofrimentos inenarráveis - passaram a repousar, unidos, no fundo de seu armário.
Depois deste e de outros relatos, tive certeza, “alguma coisa acontece” em Sampa, mas não é onde Ipiranga e São João se cruzam...
Fui informada de que no Century Twenty One, em Nova York, eu também não fui a única a surtar não...
A Riachuelo parece ser outro Templo da Perdição. Por lá, outra “Colega de Trabalho” atacou uma arara cheia de cachecóis e levou pra casa um branco, uma azul, um verdinho, um marrom, um marrom com laranja...
Estão todos lá no closet dela viu? Se alguém precisar ela empresta.
Outro ponto interessante: percebi que, quase sempre, quem conta um surto tem a necessidade de contextualizá-lo:
- Eu tinha acabado de terminar um namoro...
ou
- Eu estava no Rio, com meus dois filhos pequenos, meu marido estava estudando para passar em um concurso, fui convidada para ir a uma festa...
E aí... aquele vestidinho caríssimo exposto na vitrine foi comprado em menos de 10 minutos.
De modo que, a surtada que encerrará a trilogia, merece que seu contexto seja compartilhado.
Quem nunca passou uma temporada fora do Brasil e morreu de saudades de um arrozinho com feijão atire a primeira pedra nesta minha amiga, “Mãe Marista”.
Flávia é loira, tem olhos azuis – é mesmo linda. Linda e hiperativa. Totalmente funcional. Faz tudo acontecer com eficácia, desenvoltura, competência e rapidez. Deste modo ela administra finanças, obras, campanhas beneficentes e, claro, a vida do marido e de três filhas pequenas. Só por isso ela já teria o direito de surtar, ao menos, uma vez por semana. Mas, em geral, ela é muito comedida, compra o que precisa, avaliando a qualidade, a durabilidade e o preço.
Para vocês terem uma idéia, a Flávia é indicada para ser entrevistada por representantes de empresas que querem se instalar em Brasília. É verdade. Ela avalia os produtos, dá um parecer e...voilá! Lá se vai um representante comercial sabendo que seu produto é bonito, sofisticado e podia ser melhorado, mas que se não for, vai ser vendido em Brasília do mesmo jeito. Comprado por ela? Jamais!
Flávia é mineira, mora em Brasília há anos, mas seu surto aconteceu quando ela morava nos Estados Unidos. Ela já estava lá há séculos. O marido foi a trabalho. Como as meninas eram bem pequenas, ela se dedicava “apenas” ao lar. Arrumava, lavava, passava, cozinhava, levava as meninas à escola... Com amor, carinho, aproveitando aquele momento e sabendo que as meninas teriam aquelas lembranças para sempre. Entretanto, contava os dias para voltar ao Brasil, e faltavam exatamente 58 dias para Flávia se ver livre das roupas de dona de casa americana, quando...
Soube de uma feira de produtos brasileiros na cidade em que morava, colocou as meninas no carro e voou para o lugar. Ela conta:
- Gente, quando eu entrei na feira, eu senti um cheiro de pastel... Enlouqueci!
Pediu um de carne, um de queijo, outro de banana com queijo, um de queijo com goiabada. Enfim, toda a mineirice dela veio à tona.
Ela segurava um pastel, colocava outro na boca, entregava um para uma filha, outro para a outra. Totalmente feliz, preenchida, vivendo aquela alegria que só a gordura e o açúcar podem nos trazer.
Não gente, o surto não foi esse não. Ou, melhor, não foi só esse não.
Ela continuou andando pela feira e encontrou pão de queijo. Pão de queijo. Puro. Simples. Pão de queijo.
Ela comeu horrores e fez as meninas comerem também.
- Come filha, é pão de queijo!
Um, dois, cinco, nove pães de queijo depois... quando já estava saindo, a vendedora ofereceu:
- A Senhora não quer levar uns saquinhos para assar em casa?
Ela avançou na mulher.
- Claaaaaaro! Quantos a senhora pode me vender?
- Eu tenho muitos. Quantos a senhora quer?
Pergunta maldita.
Flávia fez as contas. Cada saquinho tem uns 15. Nós somos 5. Cada um deve comer uns 6 por dia. Então são dois saquinhos por dia. São 58 dias... A senhora tem uns 100 saquinhos?
A vendedora está sorrindo até hoje. Muito contente e solícita, ela vendeu para Flávia os 100 sacos de pão de queijo congelados e também os containeres refrigerados onde eles estavam guardados, para que ela pudesse transportá-los e armazená-los em segurança.
Pensam que acabou?
De jeito nenhum. Surtada em 100, surtada em 1000.
Enquanto rolava a operação “junta gente para levar esses containeres até o carro”, a tal vendedora resolveu oferecer água de coco para as crianças.
- Água de coco? A senhora tem água de coco? Por que não me disse antes?
E pronto.
- Beba filha! Beba! É água de coco!!!
(Detalhe, as meninas não nasceram nos Estados Unidos. Elas estavam cansadas de saber o que era água de coco e pão de queijo!).
Resultado: além dos 100 sacos de pão de queijo, Flávia levou para casa 250 garrafinhas de água de coco. Daquelas pequeninhas, de 250 ml - para que cada um pudesse tomar ao menos uma por dia, até a hora de voltar pro Brasil.
- Mãe, isso não estraga não?
- Não filha, está congelado. A gente vai descongelando aos poucos...
Todo surto, que é surto bom mesmo, acaba diante de um marido boquiaberto. Com a Flávia não foi diferente.
- Meu amor o que é isso?
Ela se deu conta da loucura. Perdeu a pose? Nunca!
- Viu, meu bem, o que eu achei? Nesses últimos dias nos vamos viver como se já estivéssemos no Brasil!
E não se falou mais no assunto. Ela foi assando os pães, dia após dia e foi tomando água de coco, dia após dia.
Lógico que lá pelas tantas ela já estava oferecendo aos vizinhos, ao carteiro, dando para os cachorros da vizinhança e, mesmo assim, sobrou muito pão de queijo e muita água de coco.
Sorte dela ter um marido compreensivo, fosse um outro, ela só ia voltar ao Brasil depois de ter tomado a última gota de água de coco.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Eu, minhas meninas, e as compras II


Para que ninguém me acuse de contar só os surtos das minhas amigas, vou contar um dos meus.
Foi em 1996. Eu tinha acabado de chegar de uma viagem de 40 dias pelos Estados Unidos – Arizona, Texas, Colorado e Utah. A viagem foi, na verdade, uma jornada xamânica. Eu acampei no deserto, desci o Grand Canyon montada numa mula, fiz sauna sagrada, participei de rituais de cura e de experiências de auto-conhecimento comuns entre índios americanos. Eu cheguei exausta, mas, logo depois desse programa de índio norte-americano, 3 de minhas melhores amigas avisaram: - Estamos indo para Nova York fazer compras.
Eu, que estava precisando de uma boa dose de realidade, não quis nem saber da falta de grana. Pedi uma ajuda a minha mãe, arrumei minha mala e fui.
Meu surto foi no Century Twenty-one, um shopping que ficava ao lado das torres gêmeas.
Eu estava passeando entre araras com roupas de estações passadas de estilistas famosos, quando vi um blazer do Jean Paul Gaultier, exatamente do meu número.
Gaultier era, na época, o queridinho da Madonna.
O tal blazer estava amarrado na arara. É, estava preso por uma corrente, com cadeado e tudo. Sabem aquelas correntes de prender bicicleta? Aquelas que ficam dentro de uma mangueira de borracha transparente? Pois é. Para que eu pudesse experimentar meu objeto de desejo, eu precisava de uma vendedora com uma chave.
Rapidamente pedi ajuda a minha amiga Rosa.
- Rosa, olha o que eu achei! Mas, tá preso...
Ela puxou o cabide e a etiqueta com o preço apareceu :US$500,00.
A Rosa falou olhando bem nos meus olhos:
- Você tá doida?
- Rosa, é do Gaultier!
- Podia ser do Van Gogh, custa US$500,00!
- Não, Rosa. Olha aqui. Ele custa US$1.000,00. Só que está com 50% de desconto. Eu vou economizar US$500,00.
Já me puxando para longe do blazer a Rosa falou:
- Pois você vai economizar US$1.000,00. Eu vou te tirar daqui agora!
A vendedora vendo aquele movimento, chegou perto e disse:
- Do you wanna try it?
A Rosa deu pulo e respondeu:
- No, thank you! Ela não vai experimentar nada (Em português mesmo, juro!).
A vendedora toda simpática, com a chavinha na mão, disse:
- Try it! It’s sooooo beautiful!
A Rosa foi longo dizendo:
- Dani, o blazer é de ve-lu-do! Você mora em Brasília, lembra? Vai usar esse blazer de US$500,00, quando?
Eu consegui me livrar dela, agarrei o blazer outra vez e disparei para a vendedora:
- Yes... It is reeeeally beautiful!
Eu parecia hipnotizada. Aí a Rosa se desesperou e chamou minha outra amiga:
- Meg, corre aqui! Me ajuda! A Dani surtou.
A Meg, muito calmamente, se aproximou e ainda sem ver o blazer e sem saber do preço disse toda meiga:
- Deixa ela comprar, Rosa...
- Deixo nada! Ela depois se recupera e me pergunta porque foi que eu deixei, que tipo de amiga eu sou, porque eu não bati na cabeça dela com um tijolo...Você parece que não a conhece...
A vendedora neste momento pegou a corrente e começou a abrir o cadeado. A Rosa não se conteve:
- Dani, olha bem pra mim! Esse blazer É VERDE! Ele é da cor das cortinas do Teatro Nacional! Você vai ficar parecendo a Scarlet O’hara, com roupa feita de cortina. Larga esse blazer! Vamos pro hotel. Se amanhã você ainda quiser um blazer de veludo verde, eu volto aqui com você, e você compra.Combinado?
Sai do shopping de cabeça baixa, angustiada. Ainda na porta olhei pra Rosa e disse:
- Amiga, e se amanhã a gente chegar aqui e ele já tiver sido vendido?
Ela me abraçou e disse:
- Eu te garanto, ele vai estar aqui! Ele vai ficar aqui pra sempre!

Eu, minhas meninas, e as compras I





Sou uma mulher cercada por mulheres desde o berço. Ao nascer 5 Marias me esperavam: minha mãe - Maria Assumção, Maria da Glória - minha irmã mais velha, as gêmeas – Maria Fátima e Fátima Maria, e Maria Lúcia. Os homens estavam lá – meu pai, meu irmão César – mas não em primeiro plano. Como ocupar o primeiro plano com elas tendo tanto a falar? Difícil demais...
Na juventude me acostumei a andar em bando, mas desde lá meu bando era feminino. Ainda jovem, mas já adulta, descobri que melhor do que ter amigas era ter inimigas. Vou explicar.
Eu e certo grupo de amigas, ao invés de fazermos “amigo-oculto” nos fins de ano, fazíamos “inimigo-oculto”. Cada uma comprava para a outra algo que fosse barato, trash, que lembrasse um episódio triste, desagradável, ocorrido naquele ano. A criatividade ia longe. Fazíamos encenações, compúnhamos músicas, construíamos artefatos surrealistas. Passamos a nos chamar de “As Inimigas”, considerando o fato de que só uma inimiga é capaz de rir da sua desgraça com tamanha desenvoltura. Com o casamento, os filhos e a maturidade, As Inimigas deixaram de trocar esses “presentes”. Mas, nunca nos separamos. Agregamos novas inimigas ao grupo e seguimos a vida.
Sou psicóloga, por isso desde a graduação vivo cercada por profissionais de saúde, em geral mulheres - médicas, enfermeiras, nutricionista, psicopedagoga, dentistas. E daí surgiu meu segundo bando, o grupo que numa alusão ao Silvio Santos chamo de “Minhas Colegas de Trabalho” – uma verdadeira equipe multidisciplinar!
Três, neste caso, não é demais. Tenho outro grupo de amigas com quem me encontro regularmente – o das “ Mães Marista”. Todas são mães de crianças que estudam na escola do meu filho. Vocês podem pensar que esse grupo é chato, que a gente só fala de filhos, de deveres de casa, de professoras, de empregada... Não vou me dar ao trabalho de desmentir. Só digo que este grupo é o mais boêmio - é o que mais bebe, mais come, mais dança... Tire suas próprias conclusões...
Foi entre as Mães Marista que o assunto deste post começou:
- Vocês já surtaram nas compras? Já compraram alguma coisa e se arrependeram mortalmente depois?
A pergunta veio de uma amiga que é economista, trabalha no Banco Central. Pense! Eu pensei que ela ia puxar a conversa para um lado, e ela imediatamente virou pra outro. Dizendo em seguida:
- Gente, eu surtei na Riachuelo!
Eu caí na gargalhada! - Na Riachuelo? Jesus, que perigo!
Ela logo contou de sua loucura por roupas de cama, sejam elas: as ótimas, as muito boas, as boas, as muito caras, as caras e, como não? As de bom preço.
Ela contou que entrou na Riachuelo e viu a palavra mágica: PROMOÇÃO! Os edredons eram bons, bonitos, estavam a um bom preço.
Como não estariam? Era verão. Moramos em Brasília... (Onde nem no inverno a venda de edredons deve ser grande...)
Minha amiga agarrou 2 de casal para ela, e 4 de solteiro. Dois para cada filho! (Se eu mereço dois eles também merecem, como não?).
Ela catou três vendedoras para que a ajudassem a carregar tudo até o caixa e lá se foi. Foi? Foi. Até o carro. Numa verdadeira caravana. Ela e as três vendedores atrás, ajudando a carregar os edredons.
Naquela fila indiana meio doida caminhando pelo shopping a ficha começou a cair. Minha amiga pensou:
- Isso não vai caber no carro!
Abriu o porta-malas, apertou um aqui, outro ali. Com todos os bancos abarrotados e sem conseguir enxergar sequer uma pontinha do vidro traseiro, ela rumou pra casa.
- Onde é que eu vou colocar esses edredons quando chegar em casa? Pensava ela pelo caminho.
- Ah, meu marido me ajuda!
Ledo engano! Ela desceu do carro. Pegou um edredon e subiu em busca da tal ajuda. Mas, quando ela abriu a porta, com apenas um edredon nas mãos, o marido a olhou espantado e perguntou:
- O que é isso? Para que você comprou um edredon? Onde é que você vai colocar isso?
Ela nem respondeu, deu meia volta e rumou para a Riachuelo. Devolveu tudo! Os seis edredons!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Senhor, Piedade!

























Em uma bela manhã de primavera - o céu azul, azul - uma cliente que eu já acompanhava há quase um ano, entrou no consultório de um jeito nada peculiar.
Ela, em geral, chegava com um sorriso no rosto. – "Bom dia! E aí, doutora? Como foi o fim de semana?". Andava até a poltrona com se fosse um barco, navegando. Caminhava com certo molejo e atracava suavemente na poltrona.
Naquela segunda-feira, ela mal me olhou. Entrou esbaforida, jogou-se na poltrona, colocou as mãos fechadas sobre os olhos e, enquanto eu me sentava diante dela, soltou uma frase curta e direta:
- Eu sou bipolar! Eu sei que sou!
Meus óculos escorregaram para a ponta do meu nariz, quando eu, no susto, tentei olha-la nos olhos.
Não que ela não fosse bipolar. Era. Dos pés ã cabeça, da primeira linha do CID à última do DSM, o diagnóstico lhe cabia, sem sombra de dúvida.
Eu jamais havia lhe colocado um rótulo. Sinalizava suas alterações de humor, os riscos de seus altos e baixos, as conseqüências para quem estava perto.
Em terapia ela já havia explorado inúmeras vezes as dores e delícias de uma vida nada padrão, nada careta.
Ela fazia uso de medicamentos desde a adolescência, com dificuldade, com resistência, por vezes anarquicamente, mas usava e sabia por que os usava. Ou não sabia? Fiquei confusa, surpresa. Perguntei: - E o que é ser bipolar?
Ela sentou-se mais na beira da poltrona e apontando o dedo na minha direção, falou:
- Viu? Se eu não fosse você ia me perguntar: De onde você tirou essa idéia?
Respondi com um leve sorriso nos lábios:
- Se você entrasse aqui correndo e me dissesse assim -‘Eu sou uma abóbora! Eu sei que sou uma abóbora!’, eu ia te perguntar: O que é ser uma abóbora? O que muda na sua vida agora que você descobriu que é uma abóbora?
- E que eu não quero ser bipolar. Ser bipolar é ser doente. Eu quero ser excêntrica, doida, diferente, especial, genial.
Ficamos as duas em silêncio, nos olhando, por uns minutos. Aí ela se acomodou na poltrona, respirou e disse:
- E aí? Como foi seu fim de semana?
Eu, como em todas as outras sessões respondi: - Normal. E o seu?
Então, ela, como em todas as outras sessões, começou a me contar todas as excentricidades e doidices de seu fim de semana.
Enquanto ela falava, pensei no Cazuza – o poeta da minha geração. A letra do Blues da Piedade passou pela minha cabeça e, pela primeira vez, vez total sentido.
Seus versos falam de:
Pessoas de alma bem pequena/ Gente que não muda quando a lua é cheia/
Os versos pedem:
Piedade Senhor piedade pra essa gente careta e covarde/
E Cazuza propõem:
Cantar pra pessoas fracas/ Que estão no mundo e perderam a viagem/ Somos iguais em desgraça/ Piedade senhor pra esta gente/ Pra essa gente careta e covarde/ Lhes dê grandeza e um pouco de coragem.
Bom material para minha própria terapia – Nós, os médios, medianos – estamos condenados à mediocridade, à dita normalidade.
Senhor, piedade de nós!


Este post é ficcional. Na verdade, ele é fruto de um delírio. A única coisa real é que, só agora, o Blues da Piedade passou a fazer sentido para mim.