segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Cabe na mala?


Meu filho tem um livrinho de história que eu adoro, é o “Cabe na mala?” da Ana Maria Machado. O cavalo e a vaca vão à cidade passear, eles encontram muitas coisas interessantes em uma feira, mas na hora de colocar tudo na mala para levar de volta pra casa precisaram usar a inteligência. Eu gosto da história porque sou daquelas que adora uma comprinha em viagem e por isso sempre tenho que me perguntar: Cabe na mala?

Algumas pessoas viajam com grandes malas, carregam até a bagagem alheia e nem se importam. Eu me divirto com as histórias que começam assim: “já que você está indo pra... será que você podia...?”. Todo mundo tem uma história própria ou de algum outro amigo sobre encomendas de viagem que rende boas gargalhadas em qualquer roda de conversa. Embrulhos estranhos que fazem você passar por terrorista, um berimbau pro sobrinho que começou a fazer capoeira ontem, um isopor cheio de camarões ou caranguejos que faz com que as pessoas tapem o nariz ao passar por você - quem não carregou uma encomenda “bomba” que atire o primeiro pacote!

Eu tenho uma grande amiga e companheira de viagem, que não se importa nem um pouco de trazer encomendas para outras amigas quando viaja. Cada viagem com ela era sempre a mesma coisa, entravamos em uma grande loja ou shopping e ela tirava a tal listinha das encomendas das “colegas de trabalho” da bolsa. Eu, que não me responsabilizava nem pelas encomendas da minha mãe (que muitas vezes era quem estava custeando minha viagem) ficava pasma! Gente, aquilo não era uma lista de compras, era mais um rol de tarefas de uma gincana. As “colegas de trabalho” pediam coisas do tipo: o baton nº 45 da Lâncome. Detalhe, a Lâncome já tinha parado de numerar seus batons há uns três anos, assim, a solicitação vinha com uma observação - era importante verificar com a vendedora se o antigo nº 45 era mesmo, agora, o red cherry ou o rouge cerise(o que dependia do fato do tal batom ter sido produzido para comercialização no mercado americano ou europeu). Na lista de compras das “colegas” da minha amiga tinham pedidos inexplicáveis. Gente, pra quê uma pessoa precisa de um creme Nívea importado? Não, não era qualquer creme Nívea importado - tinha que ser o produzido na Alemanha! Sim, minha amiga recebia instruções precisas, determinando que era importante que ela virasse a latinha ao contrário e verificasse a origem do creme, porque o produzido em outros países (que não Germany) não servia!Tá, eu tinha ciúme dessa minha amiga com as tais “colegas de trabalho” (parece coisa do Sílvio Santos, né?), mas, quem é que me explica de que modo o creme feito na Alemanha é melhor, Santo Deus? Será que ele é mais grosso para ter melhor efeito no ressecamento da pele causado pelo frio e por isso serve melhor ao clima desértico de Brasília?
Algumas das tais “colegas” tinham a finesse, a delicatesse, de dar uma boa quantidade de dólares a ser usada para as despesas, mas outras perguntavam se minha amiga poderia pagar no cartão de crédito que depois elas acertariam! Gente, tem base um negócio desses? Minha amiga elegantemente não dava (ou não demonstrava dar) a menor importância a esse detalhe. Não se preocupava com relação ao dinheiro, mas ficava tensa por outro motivo. Como é que ela ia fazer se encontrasse as encomendas de Fulana e Beltrana e não a da Ciclana? Vocês não imaginam... era lápis de olho à prova d’água (pra durar da festa do casamento até a das bodas de ouro?), meia fina que não rasgava, esmalte azul escuro (uma coisa horrível, para ser usado em festa de Halloween - parece que a caneta Bic vazou!), curvador de cílios (outro item que só servia de fosse o alemão), e os perfumes então?A vendedora da Séphora (aquela dos Champs-Élysées!) dava até um gemidinho de satisfação quando minha amiga começava a encher a cestinha de compras.

A melhor história de encomenda que já ouvi, no entanto, não é minha (nem na viagem eu estava), é de outra amiga e também grande companheira de viagem. A encomenda foi feita a ela de boca, ela não anotou. A amiga disse: “Bem, será que você traz pra mim um perfume? Acho que se chama: Per Elise?!”. Em todas as perfumarias e lojas especializadas em maquiagem pelas quais passou (centas!!!) e em todos os free-shops dos aeroportos em que parou, minha amiga procurava o tal do “Per Elise”. Lá pelas tantas, essa minha amiga imaginou que o nome do perfume podia ser: Pour Elise – por causa da música do Beethoven. Muitíssimo bem humorada ela continuou a busca. Imaginem que quando as vendedoras faziam aquela cara de “Nunca ouvi falar!” ou de “Essa brasileira está falando esperanto?” – ela não dava a mínima, insistia, pronunciava de outro jeito, chegou, até a cantarolar o “tã nã nã nã nã” da música do Beethoven pra uma vendedora francesa. Quando Madame fez biquinho e mandou um: “Je suis desolée!”, minha amiga correu pela loja, agarrou uma caixinha de música, abriu a caixinha e - Voilá! Pour Elise! Nada feito! Ninguém nunca fabricou um perfume em homenagem à música de Beethoven. Na chegada ao Brasil mil desculpas e o testemunho das outras viajantes acerca do empenho da outra em procurar a encomenda. Meses depois, em uma perfumaria no shopping, fazendo hora pra sessão de cinema, a autora da encomenda, pega um vidro de perfume na prateleira e mostra a minha amiga – “Olha aqui oh! Aqui no Brasil em qualquer lojinha tem o Per Elise!”. No rótulo do perfume, o mistério desvendado – Perry Ellis!

O mundo globalizado facilitou a vida de quem quer algo importado, as encomendas hoje em dia já não são tantas e, no meu caso, nem as viagens, mas o que sempre cabe na mala são as grandes amizades e as boas recordações não é mesmo?