"Será que a borboleta lembra que já foi lagarta?
Será que a lagarta sabe que um dia vai voar?”.
Paulo Tatit
Ruth Rocha, escritora brasileira de livros infantis, é autora de uma história de que gosto muito - “A Primavera da Lagarta”. Ela conta como os insetos e pequenos animais da floresta se revoltaram contra a lagarta, pois ela comia vorazmente tudo que encontrava pela frente e depois ficava “lagarteando por aí, bem tranqüila...”.
A formiga, pessoalmente ameaçada pela voracidade da lagarta logo no início da história trata de provocar os outros animais, fazendo-os perceber o quanto a lagarta era “preguiçosa, comilona e horrorosa”. Depois disso, em uma verdadeira cruzada, os bichos saíram para exterminar a lagarta, mas eles não a encontraram. Ao inquirirem uma borboleta que “borboleteava” livremente, acerca do paradeiro da lagarta, quase desmaiaram quando ela respondeu: “Ora, sou eu!”.
Ao fim da história, a borboletinha - com seu jeitinho despretensioso, aconselha docemente o perplexo grupo de extermínio: “É preciso ter paciência com as lagartas, se quisermos conhecer as borboletas”.
No consultório acompanho muitas pessoas passando por grandes transformações. As grandes transformações não acontecem do dia para noite, elas acontecem lentamente, vagarosamente, silenciosamente. Mas, há um momento em que o casulo se rompe, há um “estouro”. Então todos dizem: “Nossa como ela mudou, foi assim... de repente!”.
O psicanalista Rubem Alves escreveu uma crônica de que eu também gosto muito – A Pipoca. Ele explica que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, mas, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar noutra coisa. A transformação, entretanto, só acontece pelo poder do fogo. Segundo ele, “milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre”.
Muitas das pessoas que acompanho, em seus processos terapêuticos, passam mesmo pelo fogo. O espaço terapêutico é o casulo, onde elas ficam ruminando suas histórias, suas alegrias, suas dores - até que acontece o estouro. Entretanto, como disse a borboletinha: é preciso ter paciência!
Muitas vezes percebemos que as mudanças estão prestes a acontecer e ficamos com medo, damos um passo atrás. Como não ter medo? Para que a borboleta viva, o modo de ser e de viver como lagarta tem que morrer.
No grupo de apoio a pessoas que querem parar de fumar, esta semana, escutei uma senhora dizendo: “Quem sou eu? Quem é essa pessoa que não fuma? Eu fumei 30 anos. Não sei quem eu sou sem o cigarro. Não sei se gosto de mim sem o cigarro”. Dá para perceber o fogo da transformação ardendo? Ao escutá-la, lembrei-me do discurso de posse de Nelson Mandela, de 1994:
Nosso maior medo não é o de que sejamos incapazes.
Nosso maior medo é o de que sejamos poderosos além da conta.
É nossa luz, não nossa sombra, que mais nos amedronta.
Nós nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?".
Na verdade, deveríamos nos perguntar: “Quem somos nós para não sermos tudo isso?”.
Bancar o pequeno não ajuda o mundo!
Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras a sua volta.
Nascemos para tornarmos manifesta a Luz de Deus que está dentro de nós.
Esta Luz não está em alguns de nós; ela está em todos nós.
Quando deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos a outras pessoas permissão para fazer o mesmo.
Quando nos libertamos de nosso próprio medo, nossa presença automaticamente liberta outros.
Enquanto resistirmos à transformação, o estouro não acontece. Mas, quando é chegado o tempo da transformação – a primavera da lagarta, tudo a nossa volta também se modifica.