Os posts com os surtos nas compras fizeram certo sucesso. Quem lia, elogiava, me contava seus próprios surtos e eu dei boas risadas com histórias que eu jamais poderia imaginar.
Aquela minha amiga, tão centrada, tão controlada, tem dois pares de sapatos iguais no armário? Impossível! E sabem o melhor (pior)? Ela nunca usou nenhum dos dois.
Desta vez vou contar o santo – a Santa Gisele - “Minha Colega de Trabalho”, médica, intensivista, treinada na vida e na profissão a agir com rapidez e coerência... pois bem...
A Gi tinha um sapato preto e branco – bicolor. Ela adorava esse sapato que havia comprado em São Paulo. Lembrava-se de que, no dia da compra, pensara:
- Eu devia levar dois. Esse sapato é a minha cara!
Sensata, só comprou um.
Anos depois, o tal sapato, de tão usado, não estava em condições nem de ser doado e Dra. Gi, novamente em São Paulo, resolveu procurar um substituto à altura. Encontrou um similar e, desta vez, não hesitou – comprou dois!
E aí... ambos os dois pares, juntos, no exagero, na redundância - por haver infligido aos seus pesinhos sofrimentos inenarráveis - passaram a repousar, unidos, no fundo de seu armário.
Depois deste e de outros relatos, tive certeza, “alguma coisa acontece” em Sampa, mas não é onde Ipiranga e São João se cruzam...
Fui informada de que no Century Twenty One, em Nova York , eu também não fui a única a surtar não...
A Riachuelo parece ser outro Templo da Perdição. Por lá, outra “Colega de Trabalho” atacou uma arara cheia de cachecóis e levou pra casa um branco, uma azul, um verdinho, um marrom, um marrom com laranja...
Estão todos lá no closet dela viu? Se alguém precisar ela empresta.
Outro ponto interessante: percebi que, quase sempre, quem conta um surto tem a necessidade de contextualizá-lo:
- Eu tinha acabado de terminar um namoro...
ou
- Eu estava no Rio, com meus dois filhos pequenos, meu marido estava estudando para passar em um concurso, fui convidada para ir a uma festa...
E aí... aquele vestidinho caríssimo exposto na vitrine foi comprado em menos de 10 minutos.
De modo que, a surtada que encerrará a trilogia, merece que seu contexto seja compartilhado.
Quem nunca passou uma temporada fora do Brasil e morreu de saudades de um arrozinho com feijão atire a primeira pedra nesta minha amiga, “Mãe Marista”.
Flávia é loira, tem olhos azuis – é mesmo linda. Linda e hiperativa. Totalmente funcional. Faz tudo acontecer com eficácia, desenvoltura, competência e rapidez. Deste modo ela administra finanças, obras, campanhas beneficentes e, claro, a vida do marido e de três filhas pequenas. Só por isso ela já teria o direito de surtar, ao menos, uma vez por semana. Mas, em geral, ela é muito comedida, compra o que precisa, avaliando a qualidade, a durabilidade e o preço.
Para vocês terem uma idéia, a Flávia é indicada para ser entrevistada por representantes de empresas que querem se instalar em Brasília. É verdade. Ela avalia os produtos, dá um parecer e...voilá! Lá se vai um representante comercial sabendo que seu produto é bonito, sofisticado e podia ser melhorado, mas que se não for, vai ser vendido em Brasília do mesmo jeito. Comprado por ela? Jamais!
Flávia é mineira, mora em Brasília há anos, mas seu surto aconteceu quando ela morava nos Estados Unidos. Ela já estava lá há séculos. O marido foi a trabalho. Como as meninas eram bem pequenas, ela se dedicava “apenas” ao lar. Arrumava, lavava, passava, cozinhava, levava as meninas à escola... Com amor, carinho, aproveitando aquele momento e sabendo que as meninas teriam aquelas lembranças para sempre. Entretanto, contava os dias para voltar ao Brasil, e faltavam exatamente 58 dias para Flávia se ver livre das roupas de dona de casa americana, quando...
Soube de uma feira de produtos brasileiros na cidade em que morava, colocou as meninas no carro e voou para o lugar. Ela conta:
- Gente, quando eu entrei na feira, eu senti um cheiro de pastel... Enlouqueci!
Pediu um de carne, um de queijo, outro de banana com queijo, um de queijo com goiabada. Enfim, toda a mineirice dela veio à tona.
Ela segurava um pastel, colocava outro na boca, entregava um para uma filha, outro para a outra. Totalmente feliz, preenchida, vivendo aquela alegria que só a gordura e o açúcar podem nos trazer.
Não gente, o surto não foi esse não. Ou, melhor, não foi só esse não.
Ela continuou andando pela feira e encontrou pão de queijo. Pão de queijo. Puro. Simples. Pão de queijo.
Ela comeu horrores e fez as meninas comerem também.
- Come filha, é pão de queijo!
Um, dois, cinco, nove pães de queijo depois... quando já estava saindo, a vendedora ofereceu:
- A Senhora não quer levar uns saquinhos para assar em casa?
Ela avançou na mulher.
- Claaaaaaro! Quantos a senhora pode me vender?
- Eu tenho muitos. Quantos a senhora quer?
Pergunta maldita.
Flávia fez as contas. Cada saquinho tem uns 15. Nós somos 5. Cada um deve comer uns 6 por dia. Então são dois saquinhos por dia. São 58 dias... A senhora tem uns 100 saquinhos?
A vendedora está sorrindo até hoje. Muito contente e solícita, ela vendeu para Flávia os 100 sacos de pão de queijo congelados e também os containeres refrigerados onde eles estavam guardados, para que ela pudesse transportá-los e armazená-los em segurança.
Pensam que acabou?
De jeito nenhum. Surtada em 100, surtada em 1000.
Enquanto rolava a operação “junta gente para levar esses containeres até o carro”, a tal vendedora resolveu oferecer água de coco para as crianças.
- Água de coco? A senhora tem água de coco? Por que não me disse antes?
E pronto.
- Beba filha! Beba! É água de coco!!!
(Detalhe, as meninas não nasceram nos Estados Unidos. Elas estavam cansadas de saber o que era água de coco e pão de queijo!).
Resultado: além dos 100 sacos de pão de queijo, Flávia levou para casa 250 garrafinhas de água de coco. Daquelas pequeninhas, de 250 ml - para que cada um pudesse tomar ao menos uma por dia, até a hora de voltar pro Brasil.
- Mãe, isso não estraga não?
- Não filha, está congelado. A gente vai descongelando aos poucos...
Todo surto, que é surto bom mesmo, acaba diante de um marido boquiaberto. Com a Flávia não foi diferente.
- Meu amor o que é isso?
Ela se deu conta da loucura. Perdeu a pose? Nunca!
- Viu, meu bem, o que eu achei? Nesses últimos dias nos vamos viver como se já estivéssemos no Brasil!
E não se falou mais no assunto. Ela foi assando os pães, dia após dia e foi tomando água de coco, dia após dia.
Lógico que lá pelas tantas ela já estava oferecendo aos vizinhos, ao carteiro, dando para os cachorros da vizinhança e, mesmo assim, sobrou muito pão de queijo e muita água de coco.
Sorte dela ter um marido compreensivo, fosse um outro, ela só ia voltar ao Brasil depois de ter tomado a última gota de água de coco.