segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Cabe na mala?


Meu filho tem um livrinho de história que eu adoro, é o “Cabe na mala?” da Ana Maria Machado. O cavalo e a vaca vão à cidade passear, eles encontram muitas coisas interessantes em uma feira, mas na hora de colocar tudo na mala para levar de volta pra casa precisaram usar a inteligência. Eu gosto da história porque sou daquelas que adora uma comprinha em viagem e por isso sempre tenho que me perguntar: Cabe na mala?

Algumas pessoas viajam com grandes malas, carregam até a bagagem alheia e nem se importam. Eu me divirto com as histórias que começam assim: “já que você está indo pra... será que você podia...?”. Todo mundo tem uma história própria ou de algum outro amigo sobre encomendas de viagem que rende boas gargalhadas em qualquer roda de conversa. Embrulhos estranhos que fazem você passar por terrorista, um berimbau pro sobrinho que começou a fazer capoeira ontem, um isopor cheio de camarões ou caranguejos que faz com que as pessoas tapem o nariz ao passar por você - quem não carregou uma encomenda “bomba” que atire o primeiro pacote!

Eu tenho uma grande amiga e companheira de viagem, que não se importa nem um pouco de trazer encomendas para outras amigas quando viaja. Cada viagem com ela era sempre a mesma coisa, entravamos em uma grande loja ou shopping e ela tirava a tal listinha das encomendas das “colegas de trabalho” da bolsa. Eu, que não me responsabilizava nem pelas encomendas da minha mãe (que muitas vezes era quem estava custeando minha viagem) ficava pasma! Gente, aquilo não era uma lista de compras, era mais um rol de tarefas de uma gincana. As “colegas de trabalho” pediam coisas do tipo: o baton nº 45 da Lâncome. Detalhe, a Lâncome já tinha parado de numerar seus batons há uns três anos, assim, a solicitação vinha com uma observação - era importante verificar com a vendedora se o antigo nº 45 era mesmo, agora, o red cherry ou o rouge cerise(o que dependia do fato do tal batom ter sido produzido para comercialização no mercado americano ou europeu). Na lista de compras das “colegas” da minha amiga tinham pedidos inexplicáveis. Gente, pra quê uma pessoa precisa de um creme Nívea importado? Não, não era qualquer creme Nívea importado - tinha que ser o produzido na Alemanha! Sim, minha amiga recebia instruções precisas, determinando que era importante que ela virasse a latinha ao contrário e verificasse a origem do creme, porque o produzido em outros países (que não Germany) não servia!Tá, eu tinha ciúme dessa minha amiga com as tais “colegas de trabalho” (parece coisa do Sílvio Santos, né?), mas, quem é que me explica de que modo o creme feito na Alemanha é melhor, Santo Deus? Será que ele é mais grosso para ter melhor efeito no ressecamento da pele causado pelo frio e por isso serve melhor ao clima desértico de Brasília?
Algumas das tais “colegas” tinham a finesse, a delicatesse, de dar uma boa quantidade de dólares a ser usada para as despesas, mas outras perguntavam se minha amiga poderia pagar no cartão de crédito que depois elas acertariam! Gente, tem base um negócio desses? Minha amiga elegantemente não dava (ou não demonstrava dar) a menor importância a esse detalhe. Não se preocupava com relação ao dinheiro, mas ficava tensa por outro motivo. Como é que ela ia fazer se encontrasse as encomendas de Fulana e Beltrana e não a da Ciclana? Vocês não imaginam... era lápis de olho à prova d’água (pra durar da festa do casamento até a das bodas de ouro?), meia fina que não rasgava, esmalte azul escuro (uma coisa horrível, para ser usado em festa de Halloween - parece que a caneta Bic vazou!), curvador de cílios (outro item que só servia de fosse o alemão), e os perfumes então?A vendedora da Séphora (aquela dos Champs-Élysées!) dava até um gemidinho de satisfação quando minha amiga começava a encher a cestinha de compras.

A melhor história de encomenda que já ouvi, no entanto, não é minha (nem na viagem eu estava), é de outra amiga e também grande companheira de viagem. A encomenda foi feita a ela de boca, ela não anotou. A amiga disse: “Bem, será que você traz pra mim um perfume? Acho que se chama: Per Elise?!”. Em todas as perfumarias e lojas especializadas em maquiagem pelas quais passou (centas!!!) e em todos os free-shops dos aeroportos em que parou, minha amiga procurava o tal do “Per Elise”. Lá pelas tantas, essa minha amiga imaginou que o nome do perfume podia ser: Pour Elise – por causa da música do Beethoven. Muitíssimo bem humorada ela continuou a busca. Imaginem que quando as vendedoras faziam aquela cara de “Nunca ouvi falar!” ou de “Essa brasileira está falando esperanto?” – ela não dava a mínima, insistia, pronunciava de outro jeito, chegou, até a cantarolar o “tã nã nã nã nã” da música do Beethoven pra uma vendedora francesa. Quando Madame fez biquinho e mandou um: “Je suis desolée!”, minha amiga correu pela loja, agarrou uma caixinha de música, abriu a caixinha e - Voilá! Pour Elise! Nada feito! Ninguém nunca fabricou um perfume em homenagem à música de Beethoven. Na chegada ao Brasil mil desculpas e o testemunho das outras viajantes acerca do empenho da outra em procurar a encomenda. Meses depois, em uma perfumaria no shopping, fazendo hora pra sessão de cinema, a autora da encomenda, pega um vidro de perfume na prateleira e mostra a minha amiga – “Olha aqui oh! Aqui no Brasil em qualquer lojinha tem o Per Elise!”. No rótulo do perfume, o mistério desvendado – Perry Ellis!

O mundo globalizado facilitou a vida de quem quer algo importado, as encomendas hoje em dia já não são tantas e, no meu caso, nem as viagens, mas o que sempre cabe na mala são as grandes amizades e as boas recordações não é mesmo?

terça-feira, 22 de julho de 2008

O que tanto ele pensa enquanto me escuta?


























"Aos doentes tenha por hábito duas coisas - ajudar, ou pelo menos não produzir danos."

Hipócrates

Imagine ser atendido por um médico muitíssimo competente, mas totalmente antipático. Inusitado? Com certeza, mas um grande sucesso na ficção. A série House é líder de audiência na TV por assinatura do Brasil desde que estreou em abril de 2005. O protagonista é o médico Dr. Gregory House, o ator Hugh Laurie. A cada episódio ele e sua equipe trabalham para desvendar os sintomas de seus pacientes. O médico diz o que pensa, é desprovido de boas maneiras e totalmente anti-social, mas seu raciocínio nada convencional resulta em diagnósticos brilhantes e, no fim do dia, todos tiram o chapéu para o antipático Dr. House.
Sou fã da série e outro dia estava refletindo com colegas da área de saúde se, seria possível, um médico, um psicólogo, um odontologista, um enfermeiro, um nutricionista, qualquer outro profissional de saúde - antipático - sobreviver profissionalmente nos dias de hoje.
Concluímos que o conceito chave para a boa relação com aqueles com quem trabalhamos, não é o de SIMPATIA e sim o de EMPATIA. O essencial é que o profissional seja empático.
Muitas vezes se fala que se tem empatia por alguém, usando a palavra empatia como se fosse o mesmo que simpatia. Simpatia e empatia são duas coisas diferentes. Empatia é a capacidade de sentir como seria estar na situação em que outra pessoa está. É poder se colocar no lugar de outra pessoa e vivenciar o sentimento que aquela outra pessoa tem. Existem pessoas, por exemplo, que se sensibilizam com os problemas de outras. Não é preciso que tenham passado exatamente pela mesma situação para que compreendam o que os outras estão sentindo. Vemos isso a toda hora, em diversos tipos de relações humanas, quando um homem é capaz de compreender o sentimento de uma mulher, quando um jovem é capaz de compreender o que sente um idoso e quando uma pessoa saudável consegue compreender a dor de alguém doente. Essas pessoas têm capacidade empática, e é essa capacidade que faz com que elas compreendam o sofrimento alheio.
Colocar-se no lugar do outro, ser empático com o outro, é uma qualidade que enriquece as relações e aproxima as pessoas, possibilitando a formação de vínculo. O vínculo é o laço que une a pessoa que sofre e aquele que se propõe a acolhê-la, seja um familiar, um amigo, o recepcionista do serviço de saúde ou o profissional que o atende. Sem este laço não é possível uma intervenção eficaz. A formação do vínculo pressupõe a existência de respeito e confiança - de ambas as partes!
Se você tem curiosidade em saber o que tanto seu médico, seu odontogista, seu terapeuta, ou seu nutricionista pensam enquanto você fala, saiba: realmente existem algumas coisas que eles gostariam de poder lhe dizer, muitas delas a la Dr. House:
1) Não enrole, diga logo a que veio!
Vá preparado para a consulta, tenha claro – na mente ou em um papel – o que quer compartilhar com o profissional. Seja honesto, franco, direto. Para fazer um bom diagnóstico e tomar decisões, o profissional precisa ter informações fidedignas. Não fez a dieta, não tomou o remédio – desembuche! Se você não for sincero a vítima vai ser você!
2) Não avacalhe a minha agenda!
Gentileza gera gentileza - se você for faltar, ou atrasar, avise com antecedência. Caso você tenha algum problema de saúde, não acompanhe a consulta de outra pessoa, marque uma só para você.
3)Não, eu não posso só deixar uma receita com a secretária!
O médico é seu parceiro, co-responsável no seu tratamento - não tome e nem deixe de tomar remédios por conta própria, volte para uma consulta de reavaliação.

Farmacêutico não é traficante!O médico também não! Eles não são fornecedores de drogas! Se é assim que você os está vendo, atenção! Quem é você nesta relação?
4) Não, eu não posso ler as páginas que você imprimiu da internet!
Se você gosta de pesquisar na internet, peça ao profissional que lhe indique sites confiáveis. Se for pesquisar por conta própria, verifique se a fonte de informações tem credibilidade. Tire suas dúvidas com o profissional que o acompanha e não em salas de bate-papo on-line.
5)Não, eu não sei se temos uma ouvidoria ou uma caixinha de reclamações por aqui!.
Não gostou de alguma coisa? Gostaria que algo fosse diferente? Diga a quem o atendeu para que tudo seja esclarecido e resolvido de modo rápido e direto.

6)Aqui não é a sala de testes para escola de atores da Globo! Você não quer tratamento, quer só quer um atestado, já saquei!
Se você não quer se tratar, não perca seu tempo, nem o do profissional que o atende.Não banque o ator no consultório, isso é deprimente!

Vamos caprichar nos nossos relacionamentos, porque a verdade é que na vida real gente antipática ou pouco empática, seja profissional de saúde ou paciente, não tem a menor graça!

Totalmente Dona Encrenca esse post, hein!

segunda-feira, 21 de julho de 2008

E aí? Quer pagar quanto?

















Nos jornais eletrônicos de domingo, a insistente e irritante pergunta do moço das Casas Bahia perdeu todo o sentido. A questão do dia não era quanto se queria pagar, era se o que se queria comprar estava ou não à venda. (Mudando das Casas Bahia para o Mastercard) O que rolava nas manchetes de ontem era: KAKÁ NÃO TEM PREÇO!

“Kaká não tem preço. Posso dizer que o Chelsea declarou seu interesse por ele, mas eu lhes disse que não temos intenção de vendê-lo. Acabei com tudo antes até de que chegasse qualquer oferta, portanto não sei se eles realmente fariam uma proposta de 94 milhões de euros (como havia sido especulado pela imprensa britânica)".
A afirmação era de Adriano Galliani, vice-presidente do Milan. Ele disse isso ao jornal italiano La Gazzetta dello Sport e a notícia viajou pelo planeta, instantes depois, como deve ser, nessa World Wide Web.
Fiquei por uns minutos olhando a foto daquele moço bonito, cuja imagem vale mais do que ouro. Kaká é mesmo o bom menino - não há como negar, bom, não, né? Ótimo! Ele - antes de mais nada - joga um bolão! Kaká não se esquece de que é atleta quando está de férias, não se mete em escândalos, não desrespeita os treinadores e dirigentes, não implica com os coleguinhas. Kaká é mesmo tudo de bom e todo mundo, literalmente, já sabe disso. Lembro de quando ele foi a TV falar que caso a violência nos estádios não parasse ele iria pra casa!Muito bonitinho...
Menino de Deus - Kaká é tão centrado, que já tem até plano para aposentadoria. Li em algum lugar que ele vai estudar teologia, quer ser Pastor. Só digo uma coisa: Jesus, Te cuida!
Bom, eu li a matéria e fiquei pensando: o que significa não ter preço para uma organização? para uma empresa? para um time de futebol? O que é isso que 94 milhões de euros não podem comprar?
Gente, não pode ser só o $$$$$ que ele faz entrar no clube, não pode ser só os títulos que ele dará ao Milan, não pode ser só essa possibilidade de identificação que faz o torcedor não saber se torce pelo Milan ou pelo Kaká. Tem que ter algo mais! Sei lá eu o que é, mas que tem, tem.
Tá, “o cemitério está cheio de insubstituíveis”, mas e você? Sabe se , na sua equipe de trabalho, você tem esse algo mais que o dinheiro não pode pagar?

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Entretantos(as) - Minha irmã



No sábado, 5 de julho, véspera do aniversário em que Frida Kahlo faria 101 anos, fui ver a exposição Entretantos (as) dos formando em artes plásticas da UnB. Por quê? Minha irmã Fátima Meira fez-se artista plástica ao longo da vida, mas quis diplomar-se e assim fez. Fui lá prestigiá-la e, como tudo que me causa impacto acaba virando um post, lá vai:
A instalação Tempus Fugit (que quer dizer o tempo foge, a vida é breve) montada por ela para a exposição Entretanto(as) é, à primeira vista, um trabalho surrealista, mas - não querendo incorrer no mesmo erro de André Breton – já reconheço que não é.

Em 1938, Andre Breton qualificou a obra de Frida de surrealista em um ensaio que escreveu para a exposição dela na galeria Julien Levy de Nova Iorque. Frida, mais tarde declarou: "pensavam que eu era uma surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade".
Diante da instalação de minha irmã percebi logo, não, não é sonho - é realidade. Em comum com a obra de Frida - a sensação de desconforto, de perturbação. A quantidade de informações em um pequeno espaço reforça a sensação. O primeiro pensamento foi : “Nossa, é muito!”. Como todas as acepções que o MUITO tem. O que tem de incomum? Ele usou só o preto, o branco e o raro e gritante vermelho sangue. Não pintou. Mas cortou, colou, filmou, fotografou, costurou. Ah, pintou sim, e muito. Bordou, tricotou e, pode-se dizer que esculpiu, também.
Por onde eu começo essa conversa? Pela cadeira de balanço, sem dúvida.
Cadeira de balanço – objeto que nos remete a aconchego e acolhimento, é isso , não é? Não é. Repleta de lâmpadas, subtamente a cadeira de Fátima se acende e nos traz uma sensação diametralmente oposta – a de desconforto, de agonia. As lembranças que de início eram de cadeiras de amamentar, de cochilar, de ler, de ver TV – de repente passam a ser de cadeiras de rodas, cadeiras de carro que pegam fogo, vidros que se quebram, explodem, em acidentes ou por causa de tiros. Sensações, pensamentos e emoções completamente opostos atados em um mesmo objeto no espaço de tempo exato de um minuto.
Sim, as lâmpadas ficam acesas por exatos 60 segundos. Tempo em que você dirige seu olhar para outro objeto - uma clepsidra. A clepsidra é “tipo assim” uma ampulheta de líquído. Sabe qualé? Um relógio. Na instalação o líquido é vermelho e passa por entre recipientes de soro. Agora, o primeiro pensamento foi algo meio assim Arnaldo Antunes: “O pulso ainda pulsa! O corpo ainda é pouco.”
Para mim o momento foi de agonia total. Explico: Quando minha mãe ficava internada uma das coisas mais perturbadoras para mim era vigiar o tal do soro. As veias delas eram muito finas, era difícil acertá-las. Perder uma veia era pior que perder um pênalti em final de copa do mundo, muito pior. Tínhamos que ficar de olho no soro, contar as gotas, correr atrás das enfermeiras, seduzi-las para que não deixassem o soro acabar. Até hoje, quando minha vida não está fluindo, sonho com o soro entupido.
Meu filho Mateus foi à exposição comigo e ele pensa que a tia é uma extensão do corpo dele e por isso ele pensa que o que é da tia é dele, e aí vocês já virão né? Ele mexeu na tal da clepsidra e a merda (minha mãe também fez uma colonostomia, se é que vocês me entendem) do líquido vermelho espalhou no chão. No chão não, no tabuleiro de xadrez.
Sim, o chão em que a instalação está montada é quadriculado, preto e branco. Sacou? Outra coisa muito louca. O xadrez me lembra a Alice perdida no País das Maravilhas. Quando o líquido caiu no chão eu ouvi a rainha gritando: “Cortem as cabeças! Cortem as cabeças!”.Gente, não foi legal!Tive enxaqueca no domingo e na terça feira!
O livro e o filme – Alice no País das Maravilhas – têm símbolos muito fortes, alguns deles presentes na instalação. Desde pequena, eu tenho sonhos com personagens do filme. Quando estou sendo pressionada a decidir alguma coisa, ou quando alguém esta me colocando contra a parede, sonho com aquela lagarta, fumando narguilé, jogando fumaça na minha cara e lerdamente falando: “Quem és tu?”. A instalação toda parece nos perguntar isso.
O espaço em que Tempus Fugit Fugit foi montada é louco. Você entra por um estreito canal (vaginal?)e chega a uma sala escura, uma espécie de útero, bem lá no fundo está a instalação. A realidade é louca. Quem não consegue dar um sentido a realidade acaba louco.
Uma boneca com um daqueles colares “protetores” que impedem que os cachorros fiquem lambendo seus rabos operados é um dos objetos marcantes na instalação - o ID aprisionado. Novamente o encontro dos opostos: o duro e o mole, o prazer e a dor. O lúdico e o lúcido estão lá enlouquecidos e adoecidos.
Mais uma coisa louca, outro dos meus sonhos, este mais freqüente, foi parar em um vídeo, dentro da instalação. Sei lá eu como! (Acho até que sei.) Quando eu ando acelerada, querendo fazer mil coisas ao mesmo tempo, tenho sonhos em preto e branco, onde vez por outra, aparece o coelho do filme Alice no País das Maravilhas correndo, colorido, olhando o relógio e falando: “É tarde, é tarde, é tarde, é tarde, é tarde!”.
Sim é isso, tem um vídeo dentro da instalação. Dentro de um oratório que mistura sagrado e profano, vida e morte, moderno e antigo, passado e futuro - rola um vídeo. No vídeo estão memórias, lembranças, coisas que o vento leva, que a faca corta – tudo em preto e branco, mas, de vez em quando aparece o coelho da Alice, colorido, correndo e falando: “é tarde, é tarde, é tarde, é tarde, é tarde, é tarde”.
Li no Jornal que a instalação da minha irmã era autobiográfica. Bem, se existe uma peça evidentemente autobiográfica na instalação é um vestido. É um vestido simples, leve, branco, (de uma moça nascida no interior do Ceará), que vai sendo marcado pela vida, pelas pessoas que por ela passam. O vestido é sobrecarregado pelas chaves das portas das casas nas quais morou, das gavetas de mesas nas quais trabalhou. Poderia ser o vestido da noiva do Barba Azul, daquela que não podia olhar pelo buraco da fechadura, mas se arriscou. No cabideiro, ao lado do vestido, repousa uma máscara, daquela que fantasia – a figurinista.
A instalação tem outras peças igualmente fortes e diferentemente perturbadoras (o cabideiro em que o vestido está pendurado, não é bem, um cabideiro...), cada objeto é único, mas magicamente tem todo o conteúdo da exposição em si mesmo.
É um retrato de família, ou melhor, de famílias...

Entretanto(as) estará aberta até dia 12 – sábado – meio dia - no Espaço Piloto da UnB – Prédio da Artes Cênicas (aquele com os azulejos do Athos Bulcão). Dona Encrenca recomenda aos aventureiros!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

A Primavera da Lagarta - Tempo de Transformação





"Será que a borboleta lembra que já foi lagarta?
Será que a lagarta sabe que um dia vai voar?”.
Paulo Tatit






Ruth Rocha, escritora brasileira de livros infantis, é autora de uma história de que gosto muito - “A Primavera da Lagarta”. Ela conta como os insetos e pequenos animais da floresta se revoltaram contra a lagarta, pois ela comia vorazmente tudo que encontrava pela frente e depois ficava “lagarteando por aí, bem tranqüila...”.
A formiga, pessoalmente ameaçada pela voracidade da lagarta logo no início da história trata de provocar os outros animais, fazendo-os perceber o quanto a lagarta era “preguiçosa, comilona e horrorosa”. Depois disso, em uma verdadeira cruzada, os bichos saíram para exterminar a lagarta, mas eles não a encontraram. Ao inquirirem uma borboleta que “borboleteava” livremente, acerca do paradeiro da lagarta, quase desmaiaram quando ela respondeu: “Ora, sou eu!”.
Ao fim da história, a borboletinha - com seu jeitinho despretensioso, aconselha docemente o perplexo grupo de extermínio: “É preciso ter paciência com as lagartas, se quisermos conhecer as borboletas”.
No consultório acompanho muitas pessoas passando por grandes transformações. As grandes transformações não acontecem do dia para noite, elas acontecem lentamente, vagarosamente, silenciosamente. Mas, há um momento em que o casulo se rompe, há um “estouro”. Então todos dizem: “Nossa como ela mudou, foi assim... de repente!”.
O psicanalista Rubem Alves escreveu uma crônica de que eu também gosto muito – A Pipoca. Ele explica que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, mas, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar noutra coisa. A transformação, entretanto, só acontece pelo poder do fogo. Segundo ele, “milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre”.
Muitas das pessoas que acompanho, em seus processos terapêuticos, passam mesmo pelo fogo. O espaço terapêutico é o casulo, onde elas ficam ruminando suas histórias, suas alegrias, suas dores - até que acontece o estouro. Entretanto, como disse a borboletinha: é preciso ter paciência!
Muitas vezes percebemos que as mudanças estão prestes a acontecer e ficamos com medo, damos um passo atrás. Como não ter medo? Para que a borboleta viva, o modo de ser e de viver como lagarta tem que morrer.
No grupo de apoio a pessoas que querem parar de fumar, esta semana, escutei uma senhora dizendo: “Quem sou eu? Quem é essa pessoa que não fuma? Eu fumei 30 anos. Não sei quem eu sou sem o cigarro. Não sei se gosto de mim sem o cigarro”. Dá para perceber o fogo da transformação ardendo? Ao escutá-la, lembrei-me do discurso de posse de Nelson Mandela, de 1994:

Nosso maior medo não é o de que sejamos incapazes.
Nosso maior medo é o de que sejamos poderosos além da conta.
É nossa luz, não nossa sombra, que mais nos amedronta.
Nós nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?".
Na verdade, deveríamos nos perguntar: “Quem somos nós para não sermos tudo isso?”.
Bancar o pequeno não ajuda o mundo!
Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras a sua volta.
Nascemos para tornarmos manifesta a Luz de Deus que está dentro de nós.
Esta Luz não está em alguns de nós; ela está em todos nós.
Quando deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos a outras pessoas permissão para fazer o mesmo.
Quando nos libertamos de nosso próprio medo, nossa presença automaticamente liberta outros.
Enquanto resistirmos à transformação, o estouro não acontece. Mas, quando é chegado o tempo da transformação – a primavera da lagarta, tudo a nossa volta também se modifica.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

O Rio de Janeiro continua lindo

Estive no Rio semana retrasada. Véspera de final de campeonato no Maraca - percebi que o Rio é mesmo a mais flamenguista de todas as cidades...
Tá, eu andei praticamente todos os dias pela Gávea e sou flamenguista. Meu olhar bem que podia estar “enviesado”, mas foi o que bastou para me dar uma sensação de pertencimento. O Rio é Flamengo. Eu sou Flamengo. Eu estou em casa! Doce ilusão....
O tempo estava chuvoso e eu andei muito de táxi. Ficava sempre olhando pela janela, tentando ver o que a cidade escondia.
Vi o campo do São Cristóvão. Emocionei-me ao ler, pintado no muro: “Aqui nasceu o Fenômeno!”. Semana ruim para o Ronaldo, não se falava noutra coisa. Os travestis davam entrevistas que eu ouvia pelo rádio. O locutor perguntava: “A Senhorita acha que suasss companheirassss de profissão de algum modo prejudicaram asss pessoasss que vivem desssssssse tipo de economia?”. Nos bares e restaurantes todo mundo comentava. Um flamenguista P-da vida esbravejava: “Fiquei irado! O cara vai pra delegacia pagar um mico dessses vestido com a camisa do Flamengo!”. A amiga indignada respondia: “Quiê quuiê isssso! Carioca, de Bento Ribeiro, não saber o que é traveco?”. Ninguém quer ver a imagem de seu ídolo borrada, maculada. Cariocas e brasileiros – estavam todos inconformados, indignados.
Foi uma viagem divertida, eu ria até de mim mesma. Com medo da dengue eu saia do hotel besuntada de repelente, usava botas e dava uma geral nos ambientes onde entrava. Cheguei a pensar se aquela água que fica nos vasos sanitários poderia ser considerada água parada? Cadê coragem de baixar as calças? Vai que o mosquito me pega bem naquela hora.
Pela primeira vez me hospedei em Copacabana. Sempre que eu ia ao Rio meus amigos descolados avisavam: “Não fica em Copa, lá tem muito turista e consequentemente muita prostituta, muito traveco e muito traficante!”.
O que percebi foi que Copa é um bairro de avôs e avós. Por lá eles resolvem tudo a pé. À noite tem mesmo muito de tudo. Chegando ao hotel, ainda dentro do táxi, passando pela beira mar, percebi que, a cada vinte metros, havia um cara usando um uniforme. Eram uns sujeitos sarados, negros, usavam camisas amarelo marca-texto onde se lia em letras pretas: “Experimente!”. Quis perguntar à amiga que estava comigo o que ela achava que eles ofereciam (letra “a” – sexo, letra “b” – drogas, letra “c” – letras “a” e “b” estão corretas), mas não perguntei, fiquei com vergonha do taxista.
Os taxistas mereciam um “post” à parte. A primeira coisa que eles querem saber quando você entra no carro não é para onde você está indo, é se você sabe onde está indo. Não adiantava dizer: “Copacabana, 995”. Eles queriam saber: “Em que altura?”. Eu ficava furiosa! Jesus Cristo – oh Redentor, esses caras não sabem contar? Rapidinho eu aprendi a dizer que era quase Miguel Lemos. Depois me aprimorei: “Entre a Miguel Lemosssss e a XXXXavier da Silveira”. Vocês acham que eles se davam por satisfeitos? Perguntavam: “A Senhora quer ir por onde?”. Minha vontade era dizer... Melhor não dizer...
Invejei as inúmeras salas de teatro, os ingressos bem bem bem mais baratos do que em Brasília.
Notei que as mulheres da minha idade são lindas, usam roupas de gatinha, mas seus rostos mostram que abusaram do sol num tempo em que bronzeador era: óleo de avião, óleo Johnson com urucum ou Rayito de Sol – uma pasta marrom que tinha que ser importada da Argentina. Filtro solar era uma expressão que não fazia parte do repertório das garotas cariocas suíngue sangue bom - ratas de praia. Agora essas senhoras pagam o preço.
Boa parte dos homens de mais de 40 anos andam pelas ruas vestidos como os jovens de 20 - bermudas compridas, tênis. Saíram da praia, mas a praia não saiu deles. Os cabelos ficaram brancos, caíram, mas eles teimam em manter um corte “moderno”.
Impossível não notar que os cariocas são solidários, que gostam ou precisam ter amigos espalhados por toda cidade.
Passei a semana toda com uma música do Arnaldo Antunes na cabeça:

O seu olhar lá fora
O seu olhar no céu
O seu olhar demora
O seu olhar no meu

O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu

Onde a brasa mora
E devora o breu
Como a chuva molha
O que se escondeu

O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu

O seu olhar agora
O seu olhar nasceu
O seu olhar me olha
O seu olhar é seu

O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu

É, o Rio de Janeiro continua lindo, se você puder ver o que o carioca vê!

sábado, 12 de abril de 2008

A CULPA É DA MÃE

















Todo mundo que conhece alguma coisa de psicanálise sabe que não temos pra onde correr, Freud nos deixou vários sinais de que a culpa é mesmo da mãe!
A idéia original já foi deturpada, entortada, mas fato é que a primeira sensação de abandono que vivenciamos vem com a perda do paradisíaco útero materno. Daí por diante, sempre que temos uma experiência de perda, adivinhem do que a gente lembra?

Freud descreveu três grandes desilusões da humanidade, que chamou de feridas narcísicas. A primeira ocorreu quando Copérnico provou que a Terra não era o centro do Universo, mas, unicamente, um dos muitos corpos celestes que se movem no espaço cósmico, ou seja:
- “Filhinho, o mundo não gira em volta do seu umbiguinho!.
Depois, Darwin afirmou que o homem não foi criado à semelhança de Deus e era, simplesmente, uma das conseqüências do processo evolutivo das espécies.
Hoje assisti pela milésima vez uma matéria gravada com o Romário dizendo que, quando nasceu, Deus apontou pra ele e disse: “Esse é o cara!”.

Pela milésima vez, fiquei pasma com a cena. Gente, Jesus dizia que ele era o caminho, mas o Romário, segundo ele mesmo, é "O" destino. Ele se acha (ou melhor, se sabe) “O” Cara!
Quem é que põe uma coisa dessas na cabeça de uma criatura, senão sua santa mãezinha?
A terceira – ferida narcísica – foi “causada” pelo próprio Freud. Ele descobriu que nós não somos sequer senhores de nós mesmos, pois toda nossa racionalidade é identificada com o consciente, mas existe também o inconsciente, que não controlamos.
Gente, será que o Romário sabe disso?


A foto que ilustra o post é de Romário diante da estátua erguida em sua homenagem em São Januário.

segunda-feira, 24 de março de 2008

MULHER DE “CATIGURIA”

















Em agosto do ano passado a Vogue brasileira trouxe três ensaios fotográficos com Camila Pitanga. Não era pra menos, naquela época ela e Wagner Moura carregavam a novela “Paraíso Tropical” nas costas.
Sua personagem, Bebel, era a vilã mais querida do Brasil. Poucas atrizes conseguiriam fazer isso. Camila fez. Bebel não era como outros personagens de novela, ela era complexa, humana, cheia de sutilezas e nuances. Sua prostituta era admirada, copiada e, no máximo, considerada amoral.
Na Vogue (348, agosto de 2007)Paulo Vainer e Verônica Casetta a fotografaram em um playground gráfico, Gui Paganini no corredor do Copacabana Palace e Bob Wolfenson fez suas fotos na Restinga de Marambaia – Camila linda e loira (mesmo!!!), com um vestidinho estampado drapeado de André Lima (R$8.750,00) arrastando na areia (Jesus, segura!). Textos do cineasta Jorge Furtado, de Millor Fernandes e Antônia Pellegrino costuraram a edição. Tudo de bom. Um deles termina seu texto assim: “Camila é, como diria Noel rosa, ‘coisa nossa’, uma personagem de um Brasil que deu, e dá certo”.
http://rgvogue.ig.com.br/making_of/2007/08/11/camila_para_vogue_2_959624.html

Minha admiração por Camila não começou e nem terminou com a novela, muito menos com o ensaio da Vogue. Camila tem o que eu não tenho, é o que eu não sou. Ela tem aquela postura de bailarina, conquistada em aulas de ioga, a fala mansa, rouca, aquela cara de quem acordou bem e está de bom humor. Ela é toda boa! Só a vi na TV, mas reparem, ela dá entrevistas com as mãos postas... Um jeito feminino que não existe sobrando por aí.
Segunda–feira passada estava eu zapeando quando me deparo com Camila no GNT dominando a cozinha do Claude Troisgros. Gente a mulher está grávida, o rosto arredondou levemente. Ela conseguiu ficar ainda mais bonita. Usava um vestidinho de seda estampado lindíssimo e dava ordens ao Claude: “Corta a berinjela em cubinhos!” “Vai pra lá!” “Vem pra cá!”. Ela estava preparando um prato tailandês. É... ela fez uma viagem à Tailândia e aproveitou pra fazer um curso de culinária de dois dias. O prato escolhido foi camarão ao leite de coco e curry verde. Vocês acham que ela chegou lá com o curry pronto? Não, fez na hora. Pilãozinho na mão, mandou ver. Coube ao Renato Machado o desafio de harmonizar e ele escolheu três vinhos: dois australianos e um francês. Camila deu outro show, paladar apurado compreendeu as explicações de Renato Machado e “traduziu” a experiência de saborear um vinho que deixa na boca uma sensação compatível com a do prato.

http://video.globo.com/Videos/Player/Entretenimento/0,,GIM803054-7822-CAMILA+PITANGA+NO+MENU+CONFIANCA,00.html

Desliguei a TV babando e suspirei desconsolada com a impossibilidade de sentir o cheirinho do curry, da pimenta, dos camarões boiando no leite de coco, da Camila...
Cheia de inveja racionalizei: “Ela é enteada da Benedita...nenhuma vida é perfeita!” – e fui dormir.

terça-feira, 11 de março de 2008

Sobre patos e cogumelos
















Sai da casa de meu pai apenas aos 27 anos de idade, por isso tivemos muito tempo para conversar. Muitas vezes, quando eu contava a ele que havia me decepcionado com alguém, era “obrigada” a ouvir a história do pato:
- Filha, se uma coisa caminha feito um pato, tem bico de pato, tem penas de pato, faz som de pato e anda com outros patos, muito provavelmente - é um pato (ou uma pata)!
Talvez fosse fácil para ele perceber quem era pato, quem não era. Mas, a verdade é que, quem está se relacionando com um pato, quase sempre quer ou precisa se enganar. Mesmo reconhecendo que “o pato é pato” costumamos pensar que nossa dedicação, nossa amizade, nosso amor, são tão poderosos a ponto de modificarem a “natureza”, transformando o pato em cisne.
E aí, vale a sabedoria de Rony Weasley, em Harry Potter e o Cálice de Fogo: "Cogumelos venenosos não mudam sua natureza".
Se não podemos, ou se não queremos, jogá-los fora, ao menos devemos ter em mente o que eles são!

quinta-feira, 6 de março de 2008

Mulheres

O dia Internacional da Mulher se aproxima. É mesmo?
O que tenho a dizer? Não digo.
Onde estão minhas amigas? Se não conversarmos o mudo para. Não sabiam?

"Quando Baltasar entra em casa, ouve o murmúrio que vem da cozinha, é a voz da mãe, a voz de Blimunda, ora uma, ora outra, mal se conhecem e tem tanto pra dizer, é a grande interminável conversa das mulheres, parece coisa nenhuma, isto pensam os homens, nem eles imaginam que esta conversa é que segura o mundo na sua órbita, não fosse falarem as mulheres umas com as outras, já os homens teriam perdido o sentido da casa e do planeta."

José Saramago em Memorial do Convento
Pintura de Renoir, Jovens Conversando, 1898.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

As pessoas mentem










Meu marido acaba de me telefonar. Perdeu uma viagem a Israel. Estava chateado, afinal de contas sua esperança foi frustrada, mas me contou rindo. É o jeito dele...
Perguntei: Por que a viagem furou?
Ele respondeu: Porque as pessoas mentem!
Lembrei de um tempo em que eu freqüentava saraus, melhor dizendo/escrevendo, tertúlias...

 Adorava recitar Augusto dos Anjos. Para mim, Augusto só tem sentido lido alto*.


*Eu queria mesmo era escrever, que ele só tinha “graça” em voz alta, recitado, mas tenho certeza de que o autor se ofenderia gravemente.

Eu gostava muitíssimo de ver as expressões nos rostos dos amigos. Nós ali sentados, pilhas de livros a nossa volta, velinhas acesas, os sentimentos exacerbados pela poesia, pelo vinho e pela boa comida, e era eu ler Augusto dos Anjos – se quebrava imediatamente o clima de encantamento!


Certos amigos pensavam que eu recitava Augusto porque estava deprimida, mal-amada, mal-comida. Vá lá! Algumas noites isso era bem verdade. Entretanto, na maioria das vezes eu tinha mesmo era a necessidade de contemplar um lado da natureza humana – a capacidade de trair, de ferir, de mentir, de abandonar. Por isso “estragava” o momento, meio que para lembrar que a vida, a intimidade e a poesia também, às vezes, têm cheiro de podre. Fazer o quê?


Hoje convido, leia você em voz alta:


VERSOS ÍNTIMOS



 Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


Descobri esta semana, folheando na Livraria Cultura: O poema acima foi incluído no livro "Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século", organizado por Ítalo Moriconi para a Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2001, pág. 61.



terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Não dá, não pode, não tem!

Janeiro é o mês do IPTU, do IPVA, do material escolar, do uniforme novo. Ainda por cima, é o mês depois de dezembro, dos gastos com as festas de fim de ano e com a viagem de férias. O jeito é esperar por janeiro poupando e, quando ele chega, procurar economizar pesquisando preços, refletindo sobre nossas escolhas.
Escolhi um dia para comprar o material escolar do meu filho. Entrei em uma grande papelaria, pedi um orçamento, fui a uma outra, negociei. Em princípio aquele parecia ser o dia do NÃO. Uma vendedora dizia: “Não, não tem um similar de boa qualidade!”. Eu pedia: “Dá uma olhadinha, vê se não tem no estoque...” Ela ia até outra prateleira, se abaixava, olhava com cuidado e descobria que tinha. Outra vendedora me falava: “Não pode! Não dá, o preço é esse!” Eu pedia para chamar o gerente, conversava um pouco, mostrava o preço cobrado pelo concorrente, falava que ia pagar à vista, e, por fim, conseguia o pleiteado desconto.
No fim do dia pensei orgulhosa: “É... eu dei um jeitinho!”. Entretanto, esse não foi o tal “jeitinho do Gerson” de levar vantagem em tudo. Muitas vezes as pessoas usam o famoso “Será que não dá pra dar um jeitinho?” na tentativa de descumprir uma regra, de levar vantagem. O jeitinho que eu tive que dar foi diferente. Foi um esforço para transformar confronto em conciliação.
Segundo o Dicionário Aurélio, confrontar é pôr frente a frente, enfrentar, atacar de frente, afrontar. Era isso que de início estava acontecendo - um confronto. As vendedoras diziam: “Não tem, não pode, não dá!”. Estavam na minha frente, não me deixavam passar, me impediam de concluir minha missão – comprar material de boa qualidade pagando um preço justo. Eu tive que tirá-las da minha frente e passá-las para o meu lado. No Aurélio este é o significado de conciliar - pôr em boa harmonia; pôr de acordo; congraçar; reconciliar.
O que aconteceu comigo neste dia é comum. Muitas vezes vamos a algum lugar e não somos tratados como gostaríamos, encontramos pessoas que deveriam estar do nosso lado, mas que, não se sabe por que, estão impedindo nossa passagem. O que fazemos? Buscamos confronto ou conciliação?
Se alguém nos decepciona – chefe, colega de trabalho, médico, empregada, marido, filho - como reagimos? Grande parte das vezes, confrontando: “Não aceito isso!”; “Não quero mais que isso se repita!”. “Não faça assim!”.
É ainda mais difícil não confrontar quando alguém aponta nossos erros, nossas falhas. O mais comum é respondermos: “É, mas... você também...”. A melhor resposta deveria ser na busca da conciliação – “O que posso fazer agora para corrigir meu erro? Como posso ajudá-lo nesse momento?”.
Muitas vezes somos nós que durante o expediente de trabalho, nas relações com as pessoas com quem convivemos, dizemos: “Não dá, não pode, não tem!”, quando na verdade, se procurássemos ou tentássemos um pouquinho - dava, podia, tinha.
Quando não dá mesmo, não tem mesmo e não pode mesmo - ainda assim, há ocasiões em que podemos ter uma atitude conciliatória ao invés de confrontar. Podemos buscar uma forma de ficar ao lado, de apoiar na consecução do objetivo alheio.
É janeiro, o ano está só começando, podemos ao menos tentar, não é mesmo?

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Promessa de ano novo

Este ano vou me alimentar melhor!
Ano passado fui a umas palestras da minha amiga e nutricionista - Cris. Na palestra ela ensinava o que devemos fazer para nutrir nossas células. Explicou que não basta fazer uma dieta de X calorias por dia, devemos escolher alimentos ricos em nutrientes para manter nossas células funcionando do jeito que tem que ser. O pão feito com farinha branca é carboidrato tal e qual a mandioca cozida, só que não tem os mesmos nutrientes.
Biscoito, bolo, empada – são “coisas” cheias de gordura “trans”. Esta maldita gordura se deposita (não só na minha barriga e culotes) nas paredes das nossas células, no lugar que seria da “boa” gordura. A parede celular fica rígida, impede que a célula coloque para dentro o que é bom e para fora o que é tóxico. Palestra boa: curta, com informações pontuais, úteis e claras.
Papo vai, papo vem, a Cris disse que temos “zilhões” de bactérias no estômago – umas boas, outras ruins. Nossa missão, tal e qual em um vídeo-game – nutrir as boas e liquidar as ruins, matando-as de fome! Flora intestinal saudável é T-U-D-O. Sabe a serotonina? Grande responsável pela nossa alegria de viver? 90% dela é produzida no estômago. Comecei a entender porque quando alguém está aborrecido dizemos que está “enfezado” = cheio de fezes.
Sabe onde o bicho pega? As bactérias ruins adoooooram açúcar e as boas gostam de verduras, frutas e legumes. Eu alimento as boas, mas tenho uma peninha de ir dormir e saber que bilhões de seres estão morrendo de fome por minha causa... Aí eu faço uma visita à geladeira e como um docinho, só pra aliviar minha consciência...
Mas, este ano vai ser diferente!