domingo, 7 de junho de 2009

Do baú - Ano Novo, vida nova, mas... calçando sapatos antigos?




















Texto retirado do baú - escrito para publicação na Revista Destaque em janeiro de 2005.



No fim de 2004 tive que explicar a meu filho o que penso que seja o reveillon - uma das difíceis tarefas da maternidade e da paternidade, ajudar na construção de conceitos.
Penso que o reveillon seja a celebração da passagem do tempo. A passagem do tempo nos diz que mais um pedaço da vida se foi, celebramos nossas conquistas, avaliamos nossas perdas, sonhamos com o que pode ser o futuro. Foi assim em 2004, desejo que seja assado em 2005...



No início de cada ano não raro escutamos alguém dizendo: “Ano novo, vida nova!”. O desejo de mudança está sempre presente na celebração do ano novo.

Muitas pessoas até escrevem uma lista de boas intenções: parar de fumar, fazer ginástica, caminhar, meditar... A verdade é que grande parte dessas pessoas acaba não efetivando essas mudanças, a despeito da passagem do tempo e de suas intenções mais honestas. Passadas as festas, a vida continua praticamente a mesma de sempre.
O que é preciso para que uma mudança realmente ocorra? Por que é tão difícil mudar? “Querer é poder”, dizem alguns, mas sabemos que só querer não é o bastante.
Querer é apenas um passo. Para ser alguém novo, modelo 2005, é preciso que, de alguma forma, o jeito de ser e de viver em 2004 morra. Somente haverá vida nova se tivermos a graça de esquecer o que fomos sempre. Aí reside a dificuldade!
Em artigo publicado no Jornal Correio Popular, o psicanalista Rubem Alves abordou de forma muito interessante o tema da transformação. Transcreverei a seguir um trecho do artigo, com a expectativa de que ao menos ele nos propicie alguma reflexão, nos auxiliando a efetivar as mudanças desejadas:
“As cigarras passam a maior parte de suas vidas debaixo da terra, alimentando- se das raízes das árvores. Disseram-me que há certas espécies de cigarras que chegam a viver 15 anos debaixo da terra. De repente, alguma coisa acontece, e surge dentro delas um impulso irresistível para mudar. Saem então dos seus túneis, sobem pelos troncos das árvores, arrebentam suas cascas, subterrâneas gaiolas, e se transformam em seres alados. Se elas não abandonarem suas cascas não se transformarão em seres alados. Continuarão a ser seres subterrâneos. Nossos demônios são nossas cascas. Abandonar as cascas é esquecer a forma subterrânea de ser. A grande transformação das cigarras acontece quando a morte se aproxima. É a proximidade da morte que lhes diz: ‘Chegou a hora de voar, cantar e fazer amor, para continuar a viver...’ Eu acho que a morte é o único poder capaz de nos trazer vida nova. A consciência da morte nos força a sair de nossas sepulturas, nos dá asas, nos convida a voar e a amar.”


Do baú - Último Dia

Do baú - texto escrito para publicação na Revista Destaque em agosto de 2005.



A música O Último Dia é de Paulinho Mosca, mas no CD que escutei a caminho do trabalho era o Ney Matogrosso quem cantava e perguntava:



“Meu amor, o que você faria Se só te restasse um dia Se o mundo fosse acabar Me diz o que você faria”.

Fiquei lembrando as coisas que estão acontecendo em nosso país e outras tantas que estão acontecendo pelo mundo afora. Há momentos em que de fato pensamos que, em todos os sentidos, o mundo está mesmo na iminência de acabar.
E aí? Se de verdade só nos restasse um dia? O que poderíamos fazer? O que gostaríamos de fazer? Se esse fosse um dever de casa, se tivéssemos que, como nos tempos de escola, escrever uma redação respondendo à pergunta: “Se só lhe restasse um dia, o que você faria?”. Iria à academia, ao trabalho, passaria no banco, pagaria contas e, no fim do dia, iria ao curso de inglês? Viveria exatamente como se não soubesse que o mundo ia acabar?
Talvez o mais fácil seja saber o que não faríamos. Identificaríamos nossos deveres, nossas obrigações, nossas responsabilidades – coisas que algumas vezes até nos dão prazer imediato, mas que fazemos principalmente porque acreditamos que existirá um amanhã?
Ao tentar listar o que efetivamente faríamos, possivelmente reconheceríamos nossos sonhos - coisas que sempre quisemos fazer e que muitas vezes não pudemos ou simplesmente, também, sempre deixamos para depois; nossos desejos - coisas que sabemos que nos farão um bem enorme, mas que, por algum motivo, não realizamos; e nossas experiências de amor e de beleza - coisas simples, que já fizemos várias vezes e que sabemos ser importantes para nós.
É dessa última categoria que penso que a essência da vida é feita, como um colar de contas. O tempo é o fio, no qual vamos enfiando experiências de amor e de beleza – assistir a um pôr-do-sol, dar um beijo na pessoa amada, ouvir linda música, fazer um passeio a cavalo, receber uma carta de uma amiga, olhar o filho saindo da escola, ler um bom livro, descansar na rede, sentir o cheiro da terra molhada depois da chuva, comer uma comida gostosa. Quando vivemos experiências como essas, por vezes sentimos que valeu a pena ter vivido a vida inteira só por um único desses momentos. E, se já houve muitos momentos desses na vida, que importa o que faremos no último dia?
Contudo, identificar nossos deveres, obrigações, responsabilidades, sonhos, desejos e nossas experiências de amor e beleza pode ser um exercício de autoconhecimento interessante. A mim, fez lembrar dois poemas há muito esquecidos no baú do coração – do Alberto Caeiro: “Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos, e dar-nos-á o verdor na sua primavera, e um rio onde ter quando acabemos!”; e da doce poetisa goiana Cora Coralina: “Senhor, que eu não lamente o que podia ter, o que se perdeu por caminhos errados e nunca mais voltou. (...) Que eu possa agradecer a Vós minha cama estreita, minhas coisinhas pobres, minha casa de chão, pedras e tábuas remontadas. E ter sempre um feixe de lenha debaixo do meu fogão de taipa, e acender, eu mesma, o fogo alegre da minha casa, na manhã de um novo dia que começa”. Espero que no meu último dia, independente do que eu faça ou deixe de fazer, me mantenha calma e mansa, que não lamente o que não tive, seja grata pelo que tive e, até o último segundo, tenha esperança de que amanhã haja um novo dia.

Do baú - Coração partido ou por que a separação é tão difícil?

















Do baú - texto escrito em setembro de 2005 para publicação na Revista Destaque.



Por telefone recebi a notícia: “Bianca se separou”. Na mesma semana, uma outra amiga, sentada diante de mim, disse: “Me saparei”. Os tempos verbais indicavam claramente – as ações ocorreram no passado, estavam concluídas. Em casos de separação, entretanto, me atrevo a dizer, quase nunca é assim. É difícil saber quando começa a ruptura amorosa e, mais ainda, quando é que ela termina. Meu coração ficou apertado. Duas histórias de amor chegando ao fim... Imaginei o sofrimento de todos envolvidos e pensei, será que tem mesmo que ser sempre assim?
Separações e divórcios nunca foram tão numerosos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para um aumento de 30,7% nas separações no País. O incremento foi superior nos divórcios, com 59,6%.
Embora separações e divórcios sejam freqüentes, as estatísticas em nada aplacam o sofrimento que se abate sobre nós quando acontece em nossa casa ou com alguém próximo a nós. Ninguém sabe direito como enfrentar a dor, muitas vezes acompanhada por decepção, disputas, traição, agressividade, abandono.
Em algumas culturas, a idéia de que um elo possa ser rompido não é percebida de forma tão trágica e, muitas vezes, solitária como na nossa. Entre os tuaregues, um povo nômade do deserto africano, as separações são oficializadas por meio de uma festa. Quando soube disso, pensei logo: “Ah, essa festa deve ser uma forma de fugir da tristeza provocada pelo abandono!” Nossa cultura valoriza o ‘até que a morte nos separe’, o amor que deve durar toda uma vida. Para nós, é difícil compreender uma sociedade baseada no amor não durável.
Antropólogos afirmam que as festas dos tuaregues são possíveis porque todo o grupo compartilha a idéia de que as relações entre os casais são, por vezes, efêmeras. As metamorfoses da vida são percebidas por eles com naturalidade, são passagens. A separação é uma passagem, como o nascimento, a iniciação feminina ou masculina na idade adulta, ou o casamento. O sentido atribuído ao provisório é o de inerente à vida, não tem a força pejorativa de instável, inseguro.
O antropólogo italiano Franco La Cecla, professor da Universidade de Veneza, escreveu um ensaio: Je Te Quitte, Mais Non Plus ou l’Art de la Rupture Amoureuse (Eu te deixo. Mas nem tanto. Ou A Arte da Ruptura Amorosa).
La Cecla classificou as separações que ocorrem em sociedades como as nossas em quatro categorias: Eu Te Deixo, Você Me Deixa, Você Faz Tudo Para Que Eu Te Deixe e Nós Nos Deixamos. Os dois primeiros casos supõem uma ação direta, pontual, mas não eximem os parceiros ‘agentes’ de serem percebidos como cruéis. No terceiro caso há um processo, que envolve uma suspeita, uma constatação e uma reação, por fim, os dois desempenham o papel de ‘alguém que maltrata’. Já o quarto caso, Nós Nos Deixamos, grande parte das vezes, leva as pessoas a pensarem que afinal de contas não se tratava de uma profunda história de amor. Todas as opções envolvem algum grau de sofrimento.
Embora La Cecla faça esta categorização, ele afirma: “Não há regras para viver ou amor ou a ruptura. O fim de um amor é também parte da história amorosa”. O momento da ruptura parece ser o momento avesso da paixão. Na base da idéia de viver a ruptura amorosa de maneira dolorosa, às vezes trágica, talvez exista a tentativa de recuperar a intensidade do momento do encontro inicial, da paixão, mesmo que de forma inversa.
Na maioria das vezes o mais difícil para quem se separa é saber o que fazer com a lembrança da felicidade que se sabe não ser mais possível – não com aquela pessoa, não daquele jeito, não como planejado. Em nossa sociedade, o mais comum é acreditar que a única forma de recuperá-la é lembrá-la com sofrimento, tristeza ou a saudade. Na hora da separação o amor é associado a fracasso, a morte.
O tempo da separação é uma estação, um período necessário para que as pessoas reflitam sobre o relacionamento, descubram um sentido, um propósito, para a ruptura. Este período de ruptura possivelmente durará o suficiente para que elas compreendam que viver o fim de um amor por vezes é parte da vida.
Por mais que desejemos que as pessoas das quais gostamos não sofram, que saiam logo dessa estação, não adianta apressar o rio, ele tem seu próprio curso. Minhas amigas estão se separando. Mesmo que a separação física já tenha acontecido ou esteja decidida, o processo da ruptura emocional pode estar apenas em uma etapa inicial.
Muitas vezes, quando alguém está sofrendo nos sentimos incomodados, impotentes. Rubem Alves – psicanalista, filósofo e poeta – escreveu: “Sabedoria é saber sofrer pelas razões certas. Sofrer pelas razões certas significa que estamos em contato com a realidade, que o corpo e a alma sentem as tristezas das perdas e que existe em nós o poder do amor”.
Segundo Rubem Alves, só não sofrem, quando para isso existem razões, aqueles que perderam a capacidade de amar. É o sofrimento que nos faz pensar. Pensamos para encontrar um jeito de fazer o sofrimento parar ou para dar um sentido ao sofrimento quando ele não pode ser evitado.
Em alguns momentos, este pensar precisa ser um ato solitário, em outros não. Ter alguém que nos escuta e nos acompanha nesta estação pode ser muito bom. De modo que sempre podemos deixar claro aos nossos amigos que sofrem, o quanto estamos dispostos a estar com eles, seja inverno ou verão. Sim, porque “É claro que o sol vai voltar amanhã”. Quando a gente esquece, poetas como Renato Russo usam sua arte para nos fazer recordar que haverá uma nova estação, repleta de possibilidades de vida, de amor.

Do baú - Controlar a raiva, trabalho de Hércules?

Retirado do baú - texto escrito em setembro de 2004 para publicação na Revista Destaque.



Foi uma cena da novela Celebridade - a briga entre a Maria Clara (Malu Mader) e a Laura(Cláudia Abreu) que me fez pensar sobre a raiva.
No dia seguinte ao da transmissão do episódio em que as duas brigaram, escutei várias vezes pessoas comentando: “Você viu a surra que a Maria Clara deu na Laura?”.
Será que o motivo de tal comoção seria o fato de que muitas pessoas em algum momento já tiveram vontade de dar uma surra como aquela em alguém?
É comum vermos pessoas nervosas, perdendo o controle e dando um “piti” nos mais diversos lugares – na fila do banco, no trânsito, nos restaurantes, no trabalho, na escola e na privacidade do lar. Como controlar a raiva e evitar o vexame e a culpa depois que o caldo já entornou?
Muitos psicólogos usam a história de Hércules para ilustrar o que ocorre nessa luta. O guerreiro tinha uma força prodigiosa e também um gênio explosivo e destruidor. Num dos seus acessos de raiva, Hércules, enfurecido, matou a mulher e os filhos. Foi então condenado pelos deuses a realizar doze trabalhos dificílimos.
O primeiro desses trabalhos foi a caçada ao Leão de Neméia. A fera amedrontava a população da vizinhança e não se podia fazer nada para matá-la, pois flechas, punhais e espadas não conseguiam penetrar a sua pele, que era invulnerável.
O leão morava numa gruta funda e escura. Ao aproximar-se, Hércules viu que espalhados pelo chão estavam pedaços de lanças e espadas de todos os tipos, quebrados pelo choque contra a pele indestrutível do animal. Hércules viu também os restos mortais de muitos guerreiros valorosos, que já tinham sido derrotados e devorados pelo monstro.
O herói aproximou-se da caverna e, quando o leão saiu e o atacou, Hércules não lutou contra ele, apenas abriu os braços e apertou-o tão fortemente que ele morreu sufocado. Hércules retirou a pele do leão e passou a usá-la em suas batalhas, como proteção. Como todas as histórias mitológicas, esta guarda um ensinamento.
O leão representa as forças agressivas e as necessidades instintivas que todos temos dentro de nós. Essas forças não podem ser destruídas porque fazem parte da nossa constituição psíquica. Mas elas podem destruir-nos, se a gente não souber lidar com elas.
Por baixo de cada demonstração de raiva, de agressividade, existe o medo. Uma mãe que tem raiva da filha que chega muito tarde em casa sem avisar onde estava. Será que essa mãe não teve medo de que a filha estivesse em perigo, se acidentasse, ou amassasse o carro justamente agora que ela está sem dinheiro?
controlar a raiva temos que identificar esse medo. Temos que fazer aquilo que Hércules fez com o leão – ir ao encontro dessas forças de braços abertos, reconhecendo-as como nossas. Se abraçarmos a raiva, entrando em contato com ela, podemos dominá-la usando nossa inteligência e nosso discernimento, colocando-a ao nosso favor, fazendo com que ela trabalhe para nós, como proteção, quando necessária.
Agora, se o “piti” já aconteceu, o jeito é mesmo pedir desculpas e procurar não perder a calma da próxima vez!

Do baú - Adolescência - Que tempo é esse?






















Do baú – escrito em fevereiro de 2006 para publicação na Revista Destaque.


Alguns dizem que adolescente é tudo igual, só muda o endereço! Bom, se muda o endereço, muita coisa muda. Não é mesmo? E, mesmo quando não muda o endereço, dois jovens, na mesma casa, criados pelos mesmos pais, podem ser muito diferentes.
A única semelhança percebida facilmente quando se trata de adolescentes é a grande preocupação de seus pais e também dos profissionais que trabalham diretamente com eles em como possibilitar que consigam se cuidar, se prevenir de situações que coloquem em risco sua integridade e sua felicidade.
Muitos pais afirmam que “não dão mais conta” de seus filhos quando eles chegam à adolescência. Sentem-se perdidos, sem saber o que fazer. A família é um sistema. Tudo está interligado. O que acontece a um membro afeta o outro e vice-versa. As transformações do jovem na adolescência, assim, não são apenas individuais. Todos são afetados. Toda a família se transforma, ainda mais se o jovem está em sofrimento.
Adélia Prado escreveu: “Pior inferno é ver um filho sofrer sem poder ficar no lugar dele”. Vinicius certamente também sabia disso, pois escreveu a seu filho: “Eu, muitas noites, me debrucei sobre o teu berço e verti sobre teu pequenino corpo adormecido as minhas mais indefesas lágrimas de amor, e pedi a todas as divindades que cravassem na minha carne as farpas feitas para a tua”.
Contudo, é inevitável que os filhos cresçam e sofram. Os pais são arcos que disparam flechas. Entretanto, os pais são também ninho. Rubem Alves, em uma de suas crônicas, “O Pai”, cita Bachelard, que amava os ninhos, e escreveu sobre eles: “Para o pássaro o ninho é indiscutivelmente uma cálida e doce morada. É uma casa de vida: continua a envolver o pássaro que sai do ovo. Para este, o ninho é uma penugem externa antes que a pele nua encontre sua penugem corporal”.
Que felicidade enche o coração de um pai ou de uma mãe quando acolhe o filho em seus braços! Quando crianças, o que os filhos sentem no colo dos pais é que estão no ninho, estão protegidos, tudo está bem, não há porque ter medo. A criança também se sente segura se vê que os olhos de seu pai a protegem.
Segundo Rubem Alves, os olhos também são colos. Olhos também são ninhos. O pai fica olhando o filho que se aventura na piscina ou no parquinho – “Estou aqui! Estou vendo você, não tenha medo!”. É impossível calcular a importância destes momentos na vida de uma criança e também na vida de um pai e de uma mãe.
Entretanto, a vida dos filhos não está no ninho, mas no vôo. Isso é inegável e bom. Ninhos não podem transformar-se em gaiolas.
A adolescência é o tempo do vôo. Na adolescência, muitas vezes, tudo o que os jovens querem é fugir dos olhos dos pais, de seus abraços. Na frente dos amigos então, nem pensar.
Na crônica citada, o autor pontua que adolescente não quer ninho, quer asas. Muitas vezes a casa passa a ser só um ponto de partida para vôos em todas as direções. Voltar para casa é quase sempre algo a ser retardado, adiado. A vida não está mais no ninho.
Contudo, o ninho não deixa de ser ninho quando o pássaro está voando. Eles ainda têm que voltar, mesmo que seja contra a vontade. Muitos pais, só quando ouvem o barulho da chave na porta, sentem-se tranqüilos – o ninho está novamente preenchido!
Se as mudanças familiares estão trazendo sofrimento para o pai, para a mãe e para os filhos, a psicoterapia pode ser um caminho. Muito mais do que um sinal de que os pais não estão mesmo “dando conta”, procurar um psicoterapeuta pode ser um presente que eles se dão, possibilitando que, diante de tantas demandas, eles se fortaleçam para passar por essas transformações da melhor maneira possível.
Por que apenas esperar o tempo passar, se o sofrimento está acontecendo aqui e agora?

sexta-feira, 5 de junho de 2009

GENTILEZA GERA GENTILEZA

Em dezembro de 2006, a equipe de saúde do Tribunal estava às voltas com a avaliação das atividades realizadas durante o ano. Contávamos o número de atendimentos, consultas, encaminhamentos; analisávamos os projetos implantados; considerávamos as conquistas individuais e grupais; e refletíamos sobre as dificuldades encontradas e sobre nossas limitações.
Foi quando recebemos um maravilhoso buquê de flores. Junto com o buquê, um cartão, em que nossa atenção, empenho, e cuidado eram reconhecidos. Entretanto, o cartão não estava assinado.
Em tempos de pouco tempo para o outro, de tempos “sem-tempo”, esta gentileza fez com que toda a equipe se sentisse revigorada, entusiasmada para fazer o planejamento de atividades para 2007.


Gentileza tem um poder muito grande. Segundo o dicionário significa cortesia, amabilidade, fidalguia, bom tratamento.
O acontecido fez com que lembrássemos de uma lenda do Oriente:

Um jovem chegou à beira de um oásis junto a um povoado e, aproximando-se de um velho, perguntou-lhe:
– Que tipo de pessoa vive neste lugar?
– Que tipo de pessoa vivia no lugar de onde você vem? – perguntou, por sua vez, o ancião.
– Oh, um grupo de egoístas e malvados – replicou o rapaz – estou satisfeito de haver saído de lá. A isso o velho replicou:
– A mesma coisa você haverá de encontrar por aqui.
No mesmo dia, um outro jovem se acercou do oásis para beber água e, vendo o ancião, perguntou-lhe:
– Que tipo de pessoa vive por aqui?
O velho respondeu com a mesma pergunta: – Que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem?
O rapaz respondeu: – Um magnífico grupo de pessoas, amigas, honestas, hospitaleiras. Fiquei muito triste por ter de deixa-las.
– O mesmo encontrará por aqui – respondeu o ancião.
Um homem que havia escutado as duas conversas perguntou ao velho:
– Como é possível dar respostas tão diferentes à mesma pergunta?
Ao que o velho respondeu: – Cada um carrega no seu coração o meio em que vive. Aquele que nada encontrou de bom nos lugares por onde passou, não poderá encontrar outra coisa por aqui. Aquele que encontrou amigos ali, também os encontrará aqui porque, na verdade, a nossa atitude é a única coisa na nossa vida sobre a qual podemos manter controle absoluto.
Nosso ambiente de trabalho, de vida, pode ser aquilo que queremos que ele seja. Gentileza gera gentileza. Sempre é tempo para uma palavra de amizade, para um telefonema cordial, para um sorriso de afeto, dirigido mesmo àqueles que parecem endurecidos e impermeáveis às boas maneiras.
Este texto foi escrito em fevereiro de 2007 para publicação na Revista Destaque, como um singelo agradecimento a “nosso admirador secreto”, e a todos que naquela ocasião nos enviaram cartões, e-mails e abraços de estímulo pelo trabalho realizado naquele ano.
Hoje a equipe recebeu novos membros e tivemos que gentilmente procurar abrir espaço em nossas agendas e no próprio local de trabalho para acomodá-los, recebê-los. Eu me lembrei então, novamente da lenda do Oriente. Espero que eles tenham deixado pra trás bons colegas de trabalho...

Do baú - Onde está sua felicidade?

Texto retirado do Baú - escrito em 27/11/2004 para publicação na Revista Destaque.







Na véspera do dia das crianças, na fila do caixa das Lojas Americanas, inevitavelmente, escutei um casal conversando. O marido perguntou: “Sabe qual é a Barbie mais cara que existe?”. A resposta veio em seguida, sem nem dar tempo para a esposa pensar: “É a Barbie divorciada, que vem com a casa, a cama, o armário, a cozinha, a piscina, o carro, o cavalo e até com o avião do Ken!”.
Não achei lá muita graça, mas a piada me fez pensar na Barbie. Ela é mesmo uma boneca diferente, parece que nunca está completa. Os fabricantes estão sempre lançando um novo “complemento”. E nem adianta comprar o novo objeto, logo haverá um outro a ser comprado. É como a cenoura na frente do burro... nunca será comida. Esta pitada de infelicidade que acompanha a Barbie é a regra fundamental da sociedade consumista: é preciso que as pessoas não se sintam felizes com o que têm para que trabalhem e comprem aquilo que não têm.
Mãe, compra pra mim... Eu quero tanto!” E lá estamos nós, pais e filhos, presos numa arapuca consumista. Em uma antiga propaganda, um garotinho sorridente mostrava a tesoura do Mickey em sua mão e falava a um outro, que estava triste e cabisbaixo: “Eu tenho, você não tem!”. Desde pequenos somos induzidos a pensar que estamos infelizes porque não temos algo. Se tivéssemos, seríamos felizes. O jeito de ser feliz é comprando.
A verdade é que as crianças pequenas são capazes de se alegrar com brinquedos que não são como a Barbie. Elas se alegram jogando dominó, empinando pipa, fazendo bolinhas de sabão ou comidinhas de faz-de-conta. As crianças pequenas divertem-se com coisas simples porque para elas tudo é espantoso: uma nuvem, um ovo, uma pedra, uma minhoca. Elas têm os olhos dotados daquela qualidade que para os gregos era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar diante do banal. Elas vêem coisas que nossos olhos adultos já não vêem.
A saída para a arapuca do consumismo talvez seja essa – voltar a ver o mundo com olhos de criança que ainda não pede a Barbie, colocar nossa felicidade bem ao alcance das nossas mãos. Acho que era isso que a Adélia Prado queria quando rezou: “Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande...”.
Nietzsche sugeriu que “a maturidade de um homem é encontrar de novo a seriedade que tinha quando criança, brincando”. O centro da filosofia de Nietzsche é o retorno à infância. Segundo ele, nossa trajetória começa como camelos, animais de carga, que obedecem à voz do dono. Depois, passamos por uma primeira metamorfose, o camelo transforma-se em leão, guerreiro, dono de sua vontade. Por fim, uma última mudança ocorre: para que a vontade do leão se realize, ele se transforma em criança, que só faz brincar.
São muitos os estudos da psicologia das crianças. Estudamos as crianças para ensiná-las a viver no mundo adulto. É uma pena que não existam estudos com o objetivo contrário: ensinar aos adultos a maneira de ser das crianças, que colocam sua felicidade no ser e no fazer, não no ter.