Do baú - texto escrito em setembro de 2005 para publicação na Revista Destaque.
Por telefone recebi a notícia: “Bianca se separou”. Na mesma semana, uma outra amiga, sentada diante de mim, disse: “Me saparei”. Os tempos verbais indicavam claramente – as ações ocorreram no passado, estavam concluídas. Em casos de separação, entretanto, me atrevo a dizer, quase nunca é assim. É difícil saber quando começa a ruptura amorosa e, mais ainda, quando é que ela termina. Meu coração ficou apertado. Duas histórias de amor chegando ao fim... Imaginei o sofrimento de todos envolvidos e pensei, será que tem mesmo que ser sempre assim?
Separações e divórcios nunca foram tão numerosos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para um aumento de 30,7% nas separações no País. O incremento foi superior nos divórcios, com 59,6%.
Embora separações e divórcios sejam freqüentes, as estatísticas em nada aplacam o sofrimento que se abate sobre nós quando acontece em nossa casa ou com alguém próximo a nós. Ninguém sabe direito como enfrentar a dor, muitas vezes acompanhada por decepção, disputas, traição, agressividade, abandono.
Em algumas culturas, a idéia de que um elo possa ser rompido não é percebida de forma tão trágica e, muitas vezes, solitária como na nossa. Entre os tuaregues, um povo nômade do deserto africano, as separações são oficializadas por meio de uma festa. Quando soube disso, pensei logo: “Ah, essa festa deve ser uma forma de fugir da tristeza provocada pelo abandono!” Nossa cultura valoriza o ‘até que a morte nos separe’, o amor que deve durar toda uma vida. Para nós, é difícil compreender uma sociedade baseada no amor não durável.
Antropólogos afirmam que as festas dos tuaregues são possíveis porque todo o grupo compartilha a idéia de que as relações entre os casais são, por vezes, efêmeras. As metamorfoses da vida são percebidas por eles com naturalidade, são passagens. A separação é uma passagem, como o nascimento, a iniciação feminina ou masculina na idade adulta, ou o casamento. O sentido atribuído ao provisório é o de inerente à vida, não tem a força pejorativa de instável, inseguro.
O antropólogo italiano Franco La Cecla, professor da Universidade de Veneza, escreveu um ensaio: Je Te Quitte, Mais Non Plus ou l’Art de la Rupture Amoureuse (Eu te deixo. Mas nem tanto. Ou A Arte da Ruptura Amorosa).
La Cecla classificou as separações que ocorrem em sociedades como as nossas em quatro categorias: Eu Te Deixo, Você Me Deixa, Você Faz Tudo Para Que Eu Te Deixe e Nós Nos Deixamos. Os dois primeiros casos supõem uma ação direta, pontual, mas não eximem os parceiros ‘agentes’ de serem percebidos como cruéis. No terceiro caso há um processo, que envolve uma suspeita, uma constatação e uma reação, por fim, os dois desempenham o papel de ‘alguém que maltrata’. Já o quarto caso, Nós Nos Deixamos, grande parte das vezes, leva as pessoas a pensarem que afinal de contas não se tratava de uma profunda história de amor. Todas as opções envolvem algum grau de sofrimento.
Embora La Cecla faça esta categorização, ele afirma: “Não há regras para viver ou amor ou a ruptura. O fim de um amor é também parte da história amorosa”. O momento da ruptura parece ser o momento avesso da paixão. Na base da idéia de viver a ruptura amorosa de maneira dolorosa, às vezes trágica, talvez exista a tentativa de recuperar a intensidade do momento do encontro inicial, da paixão, mesmo que de forma inversa.
Na maioria das vezes o mais difícil para quem se separa é saber o que fazer com a lembrança da felicidade que se sabe não ser mais possível – não com aquela pessoa, não daquele jeito, não como planejado. Em nossa sociedade, o mais comum é acreditar que a única forma de recuperá-la é lembrá-la com sofrimento, tristeza ou a saudade. Na hora da separação o amor é associado a fracasso, a morte.
O tempo da separação é uma estação, um período necessário para que as pessoas reflitam sobre o relacionamento, descubram um sentido, um propósito, para a ruptura. Este período de ruptura possivelmente durará o suficiente para que elas compreendam que viver o fim de um amor por vezes é parte da vida.
Por mais que desejemos que as pessoas das quais gostamos não sofram, que saiam logo dessa estação, não adianta apressar o rio, ele tem seu próprio curso. Minhas amigas estão se separando. Mesmo que a separação física já tenha acontecido ou esteja decidida, o processo da ruptura emocional pode estar apenas em uma etapa inicial.
Muitas vezes, quando alguém está sofrendo nos sentimos incomodados, impotentes. Rubem Alves – psicanalista, filósofo e poeta – escreveu: “Sabedoria é saber sofrer pelas razões certas. Sofrer pelas razões certas significa que estamos em contato com a realidade, que o corpo e a alma sentem as tristezas das perdas e que existe em nós o poder do amor”.
Segundo Rubem Alves, só não sofrem, quando para isso existem razões, aqueles que perderam a capacidade de amar. É o sofrimento que nos faz pensar. Pensamos para encontrar um jeito de fazer o sofrimento parar ou para dar um sentido ao sofrimento quando ele não pode ser evitado.
Em alguns momentos, este pensar precisa ser um ato solitário, em outros não. Ter alguém que nos escuta e nos acompanha nesta estação pode ser muito bom. De modo que sempre podemos deixar claro aos nossos amigos que sofrem, o quanto estamos dispostos a estar com eles, seja inverno ou verão. Sim, porque “É claro que o sol vai voltar amanhã”. Quando a gente esquece, poetas como Renato Russo usam sua arte para nos fazer recordar que haverá uma nova estação, repleta de possibilidades de vida, de amor.
Separações e divórcios nunca foram tão numerosos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para um aumento de 30,7% nas separações no País. O incremento foi superior nos divórcios, com 59,6%.
Embora separações e divórcios sejam freqüentes, as estatísticas em nada aplacam o sofrimento que se abate sobre nós quando acontece em nossa casa ou com alguém próximo a nós. Ninguém sabe direito como enfrentar a dor, muitas vezes acompanhada por decepção, disputas, traição, agressividade, abandono.
Em algumas culturas, a idéia de que um elo possa ser rompido não é percebida de forma tão trágica e, muitas vezes, solitária como na nossa. Entre os tuaregues, um povo nômade do deserto africano, as separações são oficializadas por meio de uma festa. Quando soube disso, pensei logo: “Ah, essa festa deve ser uma forma de fugir da tristeza provocada pelo abandono!” Nossa cultura valoriza o ‘até que a morte nos separe’, o amor que deve durar toda uma vida. Para nós, é difícil compreender uma sociedade baseada no amor não durável.
Antropólogos afirmam que as festas dos tuaregues são possíveis porque todo o grupo compartilha a idéia de que as relações entre os casais são, por vezes, efêmeras. As metamorfoses da vida são percebidas por eles com naturalidade, são passagens. A separação é uma passagem, como o nascimento, a iniciação feminina ou masculina na idade adulta, ou o casamento. O sentido atribuído ao provisório é o de inerente à vida, não tem a força pejorativa de instável, inseguro.
O antropólogo italiano Franco La Cecla, professor da Universidade de Veneza, escreveu um ensaio: Je Te Quitte, Mais Non Plus ou l’Art de la Rupture Amoureuse (Eu te deixo. Mas nem tanto. Ou A Arte da Ruptura Amorosa).
La Cecla classificou as separações que ocorrem em sociedades como as nossas em quatro categorias: Eu Te Deixo, Você Me Deixa, Você Faz Tudo Para Que Eu Te Deixe e Nós Nos Deixamos. Os dois primeiros casos supõem uma ação direta, pontual, mas não eximem os parceiros ‘agentes’ de serem percebidos como cruéis. No terceiro caso há um processo, que envolve uma suspeita, uma constatação e uma reação, por fim, os dois desempenham o papel de ‘alguém que maltrata’. Já o quarto caso, Nós Nos Deixamos, grande parte das vezes, leva as pessoas a pensarem que afinal de contas não se tratava de uma profunda história de amor. Todas as opções envolvem algum grau de sofrimento.
Embora La Cecla faça esta categorização, ele afirma: “Não há regras para viver ou amor ou a ruptura. O fim de um amor é também parte da história amorosa”. O momento da ruptura parece ser o momento avesso da paixão. Na base da idéia de viver a ruptura amorosa de maneira dolorosa, às vezes trágica, talvez exista a tentativa de recuperar a intensidade do momento do encontro inicial, da paixão, mesmo que de forma inversa.
Na maioria das vezes o mais difícil para quem se separa é saber o que fazer com a lembrança da felicidade que se sabe não ser mais possível – não com aquela pessoa, não daquele jeito, não como planejado. Em nossa sociedade, o mais comum é acreditar que a única forma de recuperá-la é lembrá-la com sofrimento, tristeza ou a saudade. Na hora da separação o amor é associado a fracasso, a morte.
O tempo da separação é uma estação, um período necessário para que as pessoas reflitam sobre o relacionamento, descubram um sentido, um propósito, para a ruptura. Este período de ruptura possivelmente durará o suficiente para que elas compreendam que viver o fim de um amor por vezes é parte da vida.
Por mais que desejemos que as pessoas das quais gostamos não sofram, que saiam logo dessa estação, não adianta apressar o rio, ele tem seu próprio curso. Minhas amigas estão se separando. Mesmo que a separação física já tenha acontecido ou esteja decidida, o processo da ruptura emocional pode estar apenas em uma etapa inicial.
Muitas vezes, quando alguém está sofrendo nos sentimos incomodados, impotentes. Rubem Alves – psicanalista, filósofo e poeta – escreveu: “Sabedoria é saber sofrer pelas razões certas. Sofrer pelas razões certas significa que estamos em contato com a realidade, que o corpo e a alma sentem as tristezas das perdas e que existe em nós o poder do amor”.
Segundo Rubem Alves, só não sofrem, quando para isso existem razões, aqueles que perderam a capacidade de amar. É o sofrimento que nos faz pensar. Pensamos para encontrar um jeito de fazer o sofrimento parar ou para dar um sentido ao sofrimento quando ele não pode ser evitado.
Em alguns momentos, este pensar precisa ser um ato solitário, em outros não. Ter alguém que nos escuta e nos acompanha nesta estação pode ser muito bom. De modo que sempre podemos deixar claro aos nossos amigos que sofrem, o quanto estamos dispostos a estar com eles, seja inverno ou verão. Sim, porque “É claro que o sol vai voltar amanhã”. Quando a gente esquece, poetas como Renato Russo usam sua arte para nos fazer recordar que haverá uma nova estação, repleta de possibilidades de vida, de amor.
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