domingo, 7 de junho de 2009

Do baú - Último Dia

Do baú - texto escrito para publicação na Revista Destaque em agosto de 2005.



A música O Último Dia é de Paulinho Mosca, mas no CD que escutei a caminho do trabalho era o Ney Matogrosso quem cantava e perguntava:



“Meu amor, o que você faria Se só te restasse um dia Se o mundo fosse acabar Me diz o que você faria”.

Fiquei lembrando as coisas que estão acontecendo em nosso país e outras tantas que estão acontecendo pelo mundo afora. Há momentos em que de fato pensamos que, em todos os sentidos, o mundo está mesmo na iminência de acabar.
E aí? Se de verdade só nos restasse um dia? O que poderíamos fazer? O que gostaríamos de fazer? Se esse fosse um dever de casa, se tivéssemos que, como nos tempos de escola, escrever uma redação respondendo à pergunta: “Se só lhe restasse um dia, o que você faria?”. Iria à academia, ao trabalho, passaria no banco, pagaria contas e, no fim do dia, iria ao curso de inglês? Viveria exatamente como se não soubesse que o mundo ia acabar?
Talvez o mais fácil seja saber o que não faríamos. Identificaríamos nossos deveres, nossas obrigações, nossas responsabilidades – coisas que algumas vezes até nos dão prazer imediato, mas que fazemos principalmente porque acreditamos que existirá um amanhã?
Ao tentar listar o que efetivamente faríamos, possivelmente reconheceríamos nossos sonhos - coisas que sempre quisemos fazer e que muitas vezes não pudemos ou simplesmente, também, sempre deixamos para depois; nossos desejos - coisas que sabemos que nos farão um bem enorme, mas que, por algum motivo, não realizamos; e nossas experiências de amor e de beleza - coisas simples, que já fizemos várias vezes e que sabemos ser importantes para nós.
É dessa última categoria que penso que a essência da vida é feita, como um colar de contas. O tempo é o fio, no qual vamos enfiando experiências de amor e de beleza – assistir a um pôr-do-sol, dar um beijo na pessoa amada, ouvir linda música, fazer um passeio a cavalo, receber uma carta de uma amiga, olhar o filho saindo da escola, ler um bom livro, descansar na rede, sentir o cheiro da terra molhada depois da chuva, comer uma comida gostosa. Quando vivemos experiências como essas, por vezes sentimos que valeu a pena ter vivido a vida inteira só por um único desses momentos. E, se já houve muitos momentos desses na vida, que importa o que faremos no último dia?
Contudo, identificar nossos deveres, obrigações, responsabilidades, sonhos, desejos e nossas experiências de amor e beleza pode ser um exercício de autoconhecimento interessante. A mim, fez lembrar dois poemas há muito esquecidos no baú do coração – do Alberto Caeiro: “Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos, e dar-nos-á o verdor na sua primavera, e um rio onde ter quando acabemos!”; e da doce poetisa goiana Cora Coralina: “Senhor, que eu não lamente o que podia ter, o que se perdeu por caminhos errados e nunca mais voltou. (...) Que eu possa agradecer a Vós minha cama estreita, minhas coisinhas pobres, minha casa de chão, pedras e tábuas remontadas. E ter sempre um feixe de lenha debaixo do meu fogão de taipa, e acender, eu mesma, o fogo alegre da minha casa, na manhã de um novo dia que começa”. Espero que no meu último dia, independente do que eu faça ou deixe de fazer, me mantenha calma e mansa, que não lamente o que não tive, seja grata pelo que tive e, até o último segundo, tenha esperança de que amanhã haja um novo dia.

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