quarta-feira, 25 de julho de 2007

Exaltação


Exaltação
Viver!... Beber o vento e o sol!...

Erguer ao céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!
A chama, sempre rubra,
ao alto, a arder!...
Asas sempre perdidas a pairar,
Mais alto para as estrelas desprender!...
A glória!... A fama!...
O orgulho de criar!...



Florbela Espanca



Meu sobrinho Erich vai estudar na UnB.
Passou para Engenharia mecatrônica nesse último vestibular. Liguei eufórica para dar os parabéns. Ele atendeu com voz de sono: “Oi, tia...” “Obrigado, tia.” “Valeu...”
Fiquei meio sem jeito. Perguntei: “Está tudo bem?”.
Ele disse que sim, eu acreditei. Desliguei o telefone. Pensei: Deve ser o sangue germânico... Nunca vi o Erich exaltado por nada.
Quer dizer, mentira, eu vi sim, uma única vez.
Ele tinha uns 7 anos de idade. O pai, louco por fogos de artifício, acendeu um rojão e colocou na mão dele. O telefone tocou, o pai saiu correndo para atender. O Erich gritou:
- Porra, pai! Volta aqui! Você me deixou aqui sozinho com essa bomba na mão!
Foi essa, também, a única vez na vida em que vi o Erich dizendo um palavrão.
É. Além de ser muitíssimo inteligente, falar alemão, inglês e espanhol, ele é um dos jovens mais educados com quem já convivi.
Sei que ele é um jovem como muitos outros. Bisbilhoto o orkut dele.

(Aliás, vou criar uma comunidade no orkut: Eu bisbilhoto o orkut dos meus sobrinhos!) Ele participa de uma comunidade entitulada – “Eu adoro beijar na boca!”. Sei que ele se exalta! Só não o faz na minha frente! Paciência.
Passados uns minutos do telefonema, fiquei achando que a voz “blasé” devia ser porque ele ainda ia ter que enfrentar dois dias de provas no Galois - sim, para poder provar que já sabe toda a matéria do terceiro ano, mesmo ainda faltando seis meses para a conclusão.
No início do ano ele também passou no vestibular da UnB para mecatrônica, mas não conseguiu os 80% requeridos na prova do Galois. Quem entende?
Bom, eu entendo. A mensalidade custa R$1.200,00 X 12 = 14.400,00. Por que cargas d’água eles iriam fazer uma prova no mínimo justa?
Eu também considerei a possibilidade da falta da exaltação (que eu esperava) ser por conta da greve da UnB. Quem merece?
Ele não vai nem poder fazer a matrícula na data prevista!
Foi aí que eu percebi que minha curiosidade em saber o motivo da voz “blasé” do Erich, no fundo, era medo. Medo de que a UnB não fosse para ele o que foi para mim.
Quando entrei na UnB tinha 16 anos. Como o Erich, entrei no meio do ano. Vocês podem pensar que entrei cedo. Para mim, foi tarde!
Eu fui alfabetizada para entrar na UnB.
Explico: quando eu tinha 4 anos, a Lúcia, minha irmã mais nova, mãe do Erich, tinha 14; minhas outras duas irmãs, gêmeas, tinham 16; meu irmão, César, tinha 17 e a minha irmã mais velha, a Glória tinha 18. Ou seja, quem não estava na UnB, estava estudando para entrar.
Meu pai era funcionário do Banco do Brasil. Minha mãe ainda não trabalhava. Cada filho que entrava na UnB significava um aumento substancial na renda familiar.

Lembro que nos momentos de raiva meu pai gritava (perdoem-no, ele tinha 5 filhos adolescentes e 1 criança em casa!):
- Pago colégio particular, mas faculdade não! Quem não entrar na UnB que se prepare para trabalhar!
Aquilo entrou na minha cabeça de uma forma...
O que valia para os meus irmãos, com certeza, devia valer para mim também. Eu nem sabia o que era jardim de infância, mas UnB eu sabia – era o lugar onde eu tinha que entrar, senão meu pai ia ficar muito bravo!
Apartamento grande (308 sul), meus irmãos em seus quartos tentando estudar, lendo alguma coisa, e eu, por lá, pentelhando ora um, ora outro. Um me dava uma folha de papel, o outro emprestava um lápis, um ensinava uma coisa, eu aprendia, ia mostrar para o outro. Fui mesmo alfabetizada em casa, aos 4 anos de idade.
Minha irmã, Glória, foi Miss UnB – 196?. Fazia arquitetura, faço idéia o sucesso que ela devia fazer ao passar pelo Ceubinho... (A Carla Peres perderia para ela em circunferência do quadril).
Pois é... para quem não sabe, Ceubinho é um lugar dentro da UnB, próximo à Faculdade de Arquitetura, onde todo mundo se encontra para não fazer nada ou para jogar: conversa fora ou truco. Viram só? Essa é, ainda hoje, a maneira pedante, dos UnBestas, dizerem que gente inteligente, que quer alguma coisa da vida, que faz alguma coisa da vida, não vai para o UniCeuB.
Grande mentira. Todos sabem que trabalhar e estudar na UnB requer um esforço sobre-humano. O mais comum é que quem precisa trabalhar, quem quer fazer mais alguma coisa da vida além de estudar, acabe mesmo fazendo Ceub, ou outra Faculdade particular. Foi o caso da minha irmã Fátima, a Mama.
Ela começou a fazer jornalismo na UnB. Meu sobrinho Rodrigo, filho dela, foi o bebê inaugural, o primeiro a ser matriculado, na creche da UnB. Depois, como ela estava trabalhando no Banco Central, não deu para continuar na UnB. Acabou se formando no CeuB. Mas, adivinhem onde ela estuda hoje? Na UnB. Faz Educação Artística. Está prestes a se formar.
Passei na UnB meus anos dourados – dos 16 aos 20 anos. Namorei muito, confesso. Fiz os 4 pontos cardeais -namorei na Faculdade de Saúde, na de Relações Internacionais, na de Engenharia, no C.O. Fazia em média 30 créditos por semestre, estudava inglês e ainda jogava handeball pela UnB.
Um tempo bom que não volta mais.
Em 2005 eu voltei à UnB, para o mestrado em Psicologia da Saúde.
“Não se pode entrar no mesmo rio duas vezes” É, quando entrarmos de novo, o rio já não é o mesmo, e nós também não.
Encontrei grades nas saídas do minhocão e nas portas das salas dos professores. Não encontrei papel higiênico nos banheiros. Meus mestres? Também não estavam mais lá. Muitos morreram, outros se aposentaram, alguns, professores eméritos, por vezes passavam calmamente, como ilustres desconhecidos, por entre jovens que esbarravam neles sem saber que aprenderiam seu ofício de psicólogos em livros escritos por aqueles senhores de cabeças branquinhas. Os novos docentes? Meus colegas de graduação e pós. Gente boa, mas sem entusiasmo (salários baixíssimos - não justifica, mas...), sem brilho, sem o poder de inspirar aqueles jovens. Presenciei brigas de departamentos, de colegiados, baixarias mesmo – fiquei pasma!
Foi como se, maravilhada com o espetáculo, eu tivesse decidido ir à coxia, e o encanto tivesse se quebrado...
Ano passado levei meu filho, que hoje tem 5 anos, à UnB e fui mostrando: Ali é o prédio onde seu pai e sua Dinda estudaram, ali onde seu Dindo e seu Tio Silvio estudaram. Esse todo colorido é onde Tia Mama estuda. Neste, que parece uma minhoca gigante, foi onde eu estudei. Depois levei ele ao C.O – aqui é onde seu Tio Silvio morava quando veio estudar aqui.
Meu filho ficou abismado:
- Mãe, que escola grande! É muito maior que a minha!

Nó na garganta. Como será que a UnB vai estar quando chegar a vez dele? Será que ele vai querer estudar lá? Ainda vai haver vestibular? E as cotas, meus Deus, no que é que isso vai dar?
O que diriam Anísio Teixeira e Darci Ribeiro se estivessem na UnB hoje?
Nosso Museu Nacional, na Esplanada, apesar da ausência do nome na placa, chama-se Honestino Guimarães. Vou contar ao Erich tudo o que sei sobre Honestino - um jovem preso no campus da UnB em 1968. Líder estudantil - foi expulso na universidade porque se exaltava. Em 1973, sumiu, foi morto, também porque se exaltava.

2 comentários:

Fabiano Lima disse...

A minha UnB foi diferente daquela da Dona Encrenca. É claro que quando entrei estava exaltado. Quem não estaria depois de acordar às 5:45 por três anos e perceber que poderia fazê-lo, a partir de então, às 7:50 e que ainda chegaria antes do professor (pelo menos com uns 30 minutos de folga).

Sou de uma UnB de festinhas à noite dentro do campus. Daquelas com som de CA tocando Raul, com um pessoal que mais parecia saídos de um túnel do tempo diretamente de Woodstock ou outro canto dos anos 60. Festinhas sem pretensão à nada, mas que não cobrava nada para entrar e sempre dava para sair do zero-a-zero.

Sou de uma UnB, sem papel no banheiro e, por muitas vezes, sem banheiro. Não comi no bandejão, não nadei no CO. Como o meu departamento furava as greves sempre, sou de uma UnB meia lotação.

Sou de uma UnB de bons professores, mas poucos que lecionavam para os pobres graduandos. Muitos eram apenas nomes sem rosto em uma lista no Departamento. para vê-los era preciso circular em Ministérios, em Gabinetes e em alguns congresso. Sou de uma UnB de professores substitutos.

As greve são um capítulo a parte. Lembro-me de que uma das primeiras providências a cada semestre era correr para a BCE para pegar o máximo de livros possível. A intenção não era lê-los todos o mais breve possível, mas se precaver contra as greves dos funcionários e a conseqüente falta de material para as vésperas de provas.

Mas nem por isso quero que pensem que meus anos de UnB foram amargos ou se passaram em branco. Em meio às adversidades, vivi, brinquei, sorri, chorei, cai e aprendi a levantar com os poucos, mas bons, professores e com os muitos amigos que fiz naqueles quase 7 anos (graduação e mestrado, não pensem mal de mim). Ao cabo, foram naqueles anos em que fiz grandes amigos e me tornei mais um pouco gente; e mesmo que estudar na UnB nunca tenha sido o meu sonho de infância, foi muito bom.

janne disse...

Entendo perfeitamente o meu mais novo usuario da bce ao não estar nem ai em entrar na UnB.Formei na epoca em que ele estava ainda no céu, em 1985, e realmente a Unb era demais!Amo ainda a UnB. O video do honestino temos aqui na BCE na seção de multimeiros e se ele quiser saber a trajetoria do honestino só vir buscar.Mas sabe o que acho? estes jovens (não sei se ele se encaixa neste perfil), esta mais interessado no lançamento do livro do harry potter, do que saber a historia politica partidaria da Unb, dos honestinos, das UNES que fechavam o estacionamento de entrada da UnB e pagavamos pedagio simbolico para eles continuarem a lutar pelas Universidades publicas.Hoje dia cabalistico 27/07/2007 , estamos a quase 3 meses de greve, e o maximo que posso fazer como bibliotecaria é atender as pesquisas que são enviadas por email e atender o telefone com o mesmo entusiamo que o sobrinho da daniela atendeu e disser: estamos em greve!bjim janne