sábado, 29 de dezembro de 2007

Passagem
























Lá se vai 2007...
Conheço gente focada no futuro. Pessoas que esperando o que está por vir, primeiro pensam: “Ôpa! Lá vem 2008!”.
Eu não. Primeiro tenho que me desapegar de 2007, para só depois entrar com os dois pés em 2008.
Fazer o quê? Sou uma pessoa apegada. Para vocês terem uma idéia: uma vez sonhei que morria e não queria sair do meu corpo...
Se meu filho vai dormir na casa da tia, todo feliz da vida, eu passo a noite rolando de um lado a outro da cama, arrependida: “Por que é que eu fui deixar?”.
Eu estou tentando melhorar... Tinha uma bota que estava comigo há mais de dez anos. Todo inverno eu a levava ao mesmo sapateiro e pedia para ele dar um geral nela. Em 2007 ele me disse: “Acho que está na hora da senhora dizer adeus a essa bota.” Insisti, pedi para ele fazer o que pudesse pela bota, que pensasse nela como uma espécie de paciente na UTI. Quando ele me entregou a bota em uma sacola, eu nem abri. Doei imediatamente. Mas, não sem sofrimento.
Pensem numa mulher brava – sou eu se minhas unhas estão lindas e maravilhosas e eu quebro uma delas.
Não era pra eu ser assim. Já perdi pai, mãe, irmã mais velha, meu melhor amigo.
Mas a verdade é que eu sou.
Por essas e outras, deixar 2007 para trás não vai ser fácil.
Meu marido disse que 2007 será lembrado como “o ano em que assinamos o contrato” (com a Via Engenharia). Penso que vou lembrar dele como o ano em que entrei na sala 32 do Museu Thyssen- Bornemisza, ou o ano em que visitei a Igreja da Sagrada Família e me apaixonei por Gaudi.
Na minha retrospectiva, 2007 será “o ano em que o Mateus aprendeu a ler”, mas bem que podia ser “o ano em que meu sobrinho-neto, o Paulo Rubem, nasceu”. E como esquecer que “2007 foi o ano em que meu sobrinho Erich entrou na UnB”?
Em 2007 eu comprei meu primeiro carro automático... Fiquei 12 dias de pernas pra cima na ilha do Ubaldo... Meu marido foi promovido, virou assessor...
Este ano (com “t” mesmo – não estou dizendo que sou apegada?) fiz novos amigos e criei Dona Encrenca para ficar mais perto dos velhos amigos.
Está sendo um ano bom...
Não é fácil dizer adeus ao que é bom, e às vezes, dizer adeus ao que é ruim também é difícil. Porém, é preciso saber a hora de deixar as coisas e as pessoas irem, seguirem seu caminho. Se nos agarramos a algo/alguém por mais tempo do que devemos travamos o fluxo da vida. Como um leito de rio indevidamente represado, a energia vital que não segue seu rumo, também causa estragos, sofrimento.
Em sociedade criamos rituais para marcar as passagens - o parto, o batizado, o aniversário, o vestibular, o casamento, a assinatura do contrato de compra de um imóvel ou dos papéis do divórcio, o enterro. O reveillon é um mais um desses rituais de passagem.
Cada um de nós, entretanto, tem seu jeito próprio de passar por esses rituais, cada um tem seu modo de dizer adeus.
Por mais que por vezes não saibamos como dizer o tal adeus, ou como seguir adiante sem falar nada, a vida acaba nos colocando na direção certa. Como um bebê que está no útero da mãe e de repente se sente empurrado para fora, somos impulsionados à mudança. Não sem dor, não sem esforço, de algum modo chega a hora do desapego, o momento em que percebemos que não dá mais pra segurar, temos que dizer: “Se tem que ser, então assim seja!”

Car@s amig@s, que assim seja! Que venha 2008!
Desejo a todos um ano de muita saúde, prosperidade e cheio de boas surpresas!



Este post é para minha cunhada - a Branca. Querida, o inverno vai passar e apagar a cicatriz!



Não aprendi dizer adeus
Leandro & Leonardo
Composição: Joel Marques

Não aprendi dizer adeus
Não sei se vou me acostumar
Olhando assim nos olhos teus
Sei que vai ficar nos meus
A marca desse olhar
Não tenho nada pra dizer
Só o silêncio vai falar por mim
Eu sei guardar a minha dor
Apesar de tanto amor vai ser
Melhor assim
Não aprendi dizer adeus mas
Tenho que aceitar que amores
Vem e vão são aves de
Verão
Se tens que me deixar que seja
Então feliz
Não aprendi dizer adeus
Mas deixo você ir sem lágrimas
No olhar, se adeus me machucar
O inverno vai passar, e apaga a cicatriz.(bis)



A foto que ilustra este post é a passagem megalítica de Knowth - condado de Meath na costa do leste da Irlanda.

domingo, 18 de novembro de 2007

Na faixa

Conceição Freitas mandou ver na coluna Crônicas da Cidade no Correio nesse domingo. Ela apontou “Dez Mentiras” sobre Brasília que todo mundo (de lá/de fora) gosta de dizer. Começou com a famosa frase: “Em Brasília só tem corrupto!”, seguiu separando o joio do trigo, explicando a diferença entre Oscar Niemeyer e Lúcio Costa e concluiu mostrando que faz tempo que Brasília deixou de ser setorizada.
Gostei D+.
Quem é assinante pode conferir no site do Correio:
http://www2.correioweb.com.br/cbonline/indice.htm
No fim do dia estava eu ligada na HBO - primeiro episódio da segunda temporada de Mandrake. Adivinhem onde o personagem do Marcos Palmeira veio resgatar uma puta que ia ser sacrificada em um ritual muito estranho? É...na nossa BSB. As frases de desqualificação da cidade jorravam da boca de todos os personagens... debochar de políticos não é novidade, mas até a galera comedora de folhas de Alto Paraíso foi sacaneada... Acreditam que os caras não se deram ao trabalho de vir filmar em Brasília? Colocaram umas imagens suuuper velhas no ar. O trânsito em frente ao Congresso era no sentido contrário ao que é hoje em dia. O Mandrake foi encaixado em um táxi, dando uma voltinha pela Esplanada, depois apareceu tomando um chope em um copo de plástico num trailer em frente ao Museu Nacional, a Catedral aparecia ao fundo. Esculhambou geral...
Aí, só de raiva, resolvi escrever sobre uma das coisas que eu mais gosto em Brasília – parar na faixa para que os pedestres atravessem.
É gente, eu adoro as faixas. Na grande maioria das vezes sou motorista e não pedestre. Mesmo assim, mesmo quando estou atrasada, adoro ver os pedestres e suas mil e uma maneiras de fazer o “sinal de vida” e atravessar uma rua.
Não vou dizer que é porque para mim é uma experiência antropológica, para mim, é diversão mesmo.
O meu tipo de pedestre favorito é o que eu chamo de adventista do sétimo dia. Ele chega na faixa e aponta o dedo pro céu, como se quisesse lembrar ao mundo: “Jesus, está voltando! O fim está próximo!”. Ele anda apressado pela faixa (parece que está atrasado para o culto) e nem olha para os motoristas (desprezo total, é como se soubesse que você, faça o que fizer, vai mesmo pro inferno!).
Também gosto muito do pedestre soldado - aquele para o qual todo dia é 7 de setembro. Com o braço duro, esticado mesmo, ele sinaliza que vai atravessar e vai mesmo, cabeça erguida, ele não olha pro lado, ele marcha na faixa... “Um, dois - feijão com arroz - três, quatro – feijão no prato!”.Gente, e o pedestre deprimido? Ele não dá sinal de vida porque ele quase não tem vida. Ele se arrasta pela vida e pela faixa. Ele não levanta o braço, não ergue os olhos do chão, faz só um arremedo, uma insinuação de que vai mover o braço e se você não fizer questão absoluta de parar, por ele... tudo bem. Ô dó!
Quem é que em um dia saiu de casa atrasado e não encontrou com a pedestre “velhinha reumática”? A sujeita não dá sinal de vida porque uma mão está segurando uma bengala e a outra agarrada na bolsa ou na sacola com sabe lá o que dentro. Ele apressa o passo para chegar logo na beira da calçada, mas assim que percebe que você parou o carro, a pressa acaba. Ela vai beeeeeem devagarzinho, degustando cada passada. Por vezes olha bem na cara do motorista, dá um sorriso amarelo, como se quisesse se desculpar, mas você sabe que por dentro ela está a-do-ran-do a aventura.

Poucos pedestres me divertem tanto quanto a gostosa do baile funk. Calça jeans de cintura baixa, saltão, cabelo na chapa - ela não dá sinal de vida, ela vive seu momento miss - a “bela” acena para os motoristas. Eu já vi taxista parando... hilário! Desfilando na faixa ela dá uma olhadinha pra sacar se o motorista é mesmo “o” motorista. Quando dão de cara comigo elas economizam no rebolado e levantam o queixo como se eu tivesse dito um desaforo. Fazer o quê se eu não tenho o que você gosta, filha?
E os ciclistas preguiçosos? Aqueles que não descem da bicicleta para atravessar, já repararam como todos têm uma cara de “sei que tô fazendo merda”?Os pedestres tímidos requerem uma atenção especial. Vejam bem, eles não querem que você pare. Ficam constrangidos de ter que atravessar a rua com alguém olhando. Alguns fazem de conta que estão esperando alguém ou alguma coisa. Reparem. Se você insistir e parar, eles vão virar para o outro lado, vão ficar de costas para a pista ou vão voltar a caminhar na direção em que estavam vindo.
Já viram os pedestres guardas de trânsito? Se eles estão no meio da faixa e o motorista não espera que eles completem a jornada, olham com cara feia e fazem uma espécie de mímica, fazem de conta que estão anotando o número da placa em um bloquinho invisível. Aí, aí, que meda!
Eu me divirto. Gosto de ver os pseudo-atletas de IPOD na orelha; as senhoras passeando com seus cachorrinhos; os jovens marrentos com seus pit-bulls; os trabalhadores desesperados, correndo para não perder o ônibus; as mulheres com sacolas, bolsa, guarda-chuva, arrastando filhos, lancheiras e mochilas (coitadinhas... parecem xerpas, aqueles guias do Nepal que carregam as coisas dos alpinistas que vão escalar o Everest). Gosto de ver os pedestres turistas fazendo cara de espanto quando os carros param...
Gosto de ficar por uns segundos imaginando se as pessoas que passam na frente do meu carro são felizes, se transaram na noite anterior, se viverão mais do que eu. Gosto de ver o povo da nossa Brasília, gente que não merece ser colocada no mesmo saco que os políticos - senadores e deputados de todos os cantos do Brasil, que vêm para cá cumprir os mandatos para os quais foram eleitos pelo povo dos seus estados. Né não?

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Papai Noel já chegou?


Gente, como dizem meus amigos gays - “Eu tô bege!”
É... estou pasma! Não dá pra crer na ansiedade, para não dizer ganância, dos lojistas. No início de outubro os vitrinistas dos shoppings, sem nenhum pudor, já estavam pendurando bolinhas nas árvores e, no fim do mês, Papai Noel chegou e assumiu seu trono. O que é isso, meu Deus?

Vocês lembram da ONOGÁS? e do Papai Noel de agosto da ONOGÁS? Então... era engraçado, inusitado, Papai Noel chegar em agosto.
Eu sou daquelas que desde sempre se deprimem no Natal, confesso! Meu pai um dia me contou que quando eu tinha uns seis anos, depois de ouvir aquela música - “Como é que Papai Noel não se esquece de ninguém.... seja rico, seja pobre, o velhinho sempre vem...” - eu disse a ele: “Pai, isso é mentira, né? Tem criança pobre que não ganha nada, que eu sei!”.
O consumismo de fim de ano me adoece e não é de hoje. Quando entro em um shopping e escuto as musiquinhas de Natal tenho vontade de sair correndo. O espírito de Natal, em geral, só se apodera da minha pessoa na véspera do Natal. Creio que ele chega no cheiro do Tender... Mas, sou chata, não gosto de ceia farta. Quando vejo aquele monte de comida à mesa também não me sinto bem. Culpa – essa herança judaico-cristã... fazer o quê?
Este ano tive uma surpresa. O espírito do Natal me pegou bem mais cedo. Meu coração de repente se encheu de amor. É que Papai Noel chegou mais cedo, de verdade, para uma querida amiga. Minha amiga “D” está apaixonada, está vivendo uma linda história de amor. A “D” tem aquilo que os franceses chamam de “joie de vivre”, uma alegria de viver que é sempre contagiante. Imaginem agora, que ela está amando!
Pois é, foi só conversar com ela e bum! Fiquei com vontade de abraçar meu marido, meu filho, meus amigos! Fui tocada. Natal é isso! É celebração da vida, do amor! É ficar feliz junto, com o outro, pelo outro.
Gente, já ganhei meu presente - o sorrisão da "D" não tem mastercard que compre! Papai Noel já chegou!

FELIZ NATAL PRA TODOS! FELIZ NATAL! FELIZ NATAL!

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Cuspindo sapos
















Minha avó Alzira me contava muitas estórias. Já postei uma das minhas favoritas - a história da Festa no céu, lembram? Nunca me esqueço do dia em que ela me contou a estória de uma princezinha, linda, linda, linda! Todos os moços da cidade em que ela vivia se apaixonavam por ela. Até que ela abrisse a boca para falar. Quando ela falava, ao invés de palavras, saltavam de sua boca sapos e mais sapos. Se o rapaz não fosse esperto o sapo grudava no seu rosto.
Neste fim de semana contei esta estória a meu filho e fiquei pensando em como essa estória é verdadeira! Todo mundo, de vez em quando solta sapos pela boca, diz cobras e lagartos. Não é mesmo?
O que fazer para não agir impulsionado pela raiva?
Penso que para não andar por aí como a princesinha da estória que minha avó contava, cuspindo sapos, é importante prestar atenção aos momentos em que os estamos engolindo.
Em um texto chamado “A arte de engolir sapos”, o psicanalista Rubem Alves explica assim a expressão - "Ter de engolir sapo: ser forçado a colocar dentro do corpo aquilo que é nojento, repulsivo, viscoso, frio, mole”.
Ninguém engole sapo porque quer. Engole porque não tem outro jeito, porque foi obrigado, porque têm medo de confrontar a pessoa que o fez engolir o sapo. Então o sapo fica ali, entalado, e quando a pessoa menos espera – pula em cima de alguém que muitas vezes não tem nada a ver com o pato, ou melhor, com o sapo anteriormente engolido. Há, ainda, pessoas que não digerem os sapos engolidos e acabam adoecendo.
Certa vez recebi no consultório um rapaz que me disse: “Se eu não colocar minha raiva para fora vou ter um enfarte. A partir de hoje não vou mais engolir nenhum sapo!”. Etapa comum em alguns processos terapêuticos – sair do branco para o preto, ou do preto para o branco, sem passar pelo cinza...
Todo mundo engole sapo de vez enquanto. O importante é não eternizar no corpo a mágoa, o rancor, a humilhação.
No Grande Sertão, Guimarães Rosa escreveu um diálogo entre jagunços matadores da seguinte forma: Diz um: "Mato, mas nunca fico com raiva". O outro retruca espantado: "Mas como?" O primeiro jagunço explica: "Quem fica com raiva leva o outro para a cama".
Para não levar para cama a pessoa que nos obrigou a engolir o sapo é preciso falar sobre isso com alguém em quem confiamos, é necessário encontrar a nossa forma de lidar com essa coisa “nojenta, repulsiva, fria, mole” que por vezes deixamos ficar dentro de nós ou jogamos nos rostos dos outros.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Mãe é chaaaata!

Minha amiga Fernanda está “curtindo” os primeiros meses de gravidez enjoando dia e noite. Minha amiga Karen carrega sua pequena Júlia nos braços há poucos dias e já foi aconchegar-se na casa da mãe para poder dormir um pouco. Minha sobrinha Priscilla, na reta final de sua gravidez, se arrasta para completar o enxoval.
Queria escrever aqui no blog algo sobre a maternidade que as animasse um pouco. Pretendia falar de como é ter sua vida transformada, ressignificada, só porque aquela "pessoinha" ali existe, mas mudei de idéia.
A inspiração veio hoje, quando tive que tomar uma pistola de água do Mateus. Fui eu mesma quem comprei o brinquedo para ele, ainda ontem. Devia saber que ele ia molhar pessoas vestidas à beira da piscina (qual a graça de molhar quem já está molhado?). Assim foi, independente dos milhões de avisos e ameaças que fiz antes de sair de casa, ele me desobedeceu.
Lembrei de uma crônica que Rubem Braga escreveu dedicada ao Dia das Mães. Nela, ele conta a história de uma Mãe que, de repente, na praia, dá por falta do filho. Palavras de Hélio Pellegrino: “Catastrófica, amputada, a mãe hasteia o seu supergrito de desespero e horror: todo o mundo, siderado, põe-se a procurar o afogado, em rebuliço, em pânico, em convulsões e preces, até que o Joãozinho aparece lampeiro, com um sorvete na mão. A mãe, com um tapa, quase derruba sorvete e filho — "menino desgraçado!" —, e a este, trombudo, humilhado, só resta o recurso de murmurar, entre dentes: ‘Mãe é chaata...’ ".
Lembrei porque foi exatamente isso o que eu ouvi o Mateus dizer hoje. Resultado: ele está sem o brinquedo e sem assistir TV durante a semana toda!Meninas, mãe que ama o filho é chata mesmo, preparem-se!
Para ler a imperdível crônica do Rubem Braga na integra:
http://www.releituras.com/rubembraga_mae.asp


sábado, 8 de setembro de 2007

Pousando

Eu ainda estava com uma daquelas vendas nos olhos, enfiada debaixo do cobertor, quando ouvi a voz do piloto: “Dentro de instantes pousaremos no Aeroporto Internacional de Guarulhos...” Fiz de conta que não era comigo e continuei cochilando. Afinal de contas, todo mundo sabe que “nestes instantes” muitas coisas ainda vão acontecer... O piloto vai aguardar autorização da torre, as comissárias de bordo vão passar de fila em fila recolhendo os fones de ouvido e pedindo a todos e a cada um dos passageiros para que: “Por gentileza coloquem o encosto de sua poltrona na posição vertical!” e, até que finalmente elas avisem que devemos permanecer sentados até que os avisos para apertar os cintos se apaguem (coisa que pouca gente faz), e nos lembrem que durante o pouso nossos pertences podem ter saído do lugar, muitos e muitos instantes nos distanciam do aeroporto.
Mal puxei novamente a venda sobre os olhos, meu marido cutucou meu braço e apontando para a tela a nossa frente, meio de boca aberta, disse: “Olha só!”. Demorei alguns segundos para entender que eu estava vendo o mundo a partir do rabo (com perdão da palavra) do nosso avião. Era ele mesmo - as luzinhas piscando, as asas, as turbinas – inconfundível. Fiz uma cara de: “Ah, tá!” e arrumei a venda tapando os olhos.
Passados alguns segundos, tirei definitivamente a venda e me ajeitei na poltrona. Não saber o que nos espera pela frente pode trazer certa insegurança, mas neste caso, no meu caso, saber é que causou.
Olhei para a tela, o avião estava dentro de uma nuvem densa. Eu sabia que mais ali na frente devia haver uma pista de pouso, mas meus olhos e os do piloto não estavam enxergando nada.
Básico: para achar nossos caminhos na vida precisamos de visão, audição, tato, olfato, paladar; temos que sentir onde nossos pés estão pisando; temos que estar presentes, concentrados. Na neblina, quando as coisas estão turvas, usamos a intuição, o nosso conhecimento anterior. Mas, e quando estes recursos faltam?
A consciência da vulnerabilidade tornou aqueles momentos mais difíceis do que de costume. Perguntei a meu marido: “Quem teve a idéia de que transmitir o pouso ao vivo ia ser legal?” - Para minha surpresa, ele estava achando bem legal.
A saída foi seguir os conselhos da nossa Ministra do Turismo, foi acreditar que os instrumentos poderiam “ver” o caminho e que realmente em “alguns instantes” sairíamos da nuvem e o horizonte estaria lá - novamente claro.
E assim foi. Quando a pista apareceu vimos o nariz do avião apontado certeiro para a faixa central. Pouso perfeito, sem solavancos – todos aplaudiram.

Ah! Então foi por isso que resolveram transmitir...
Lição de bordo: quem tem fé e confiança pode se deixar perder por uns instantes.

domingo, 19 de agosto de 2007

Para sempre

Para Sempre

Por que Deus permite que as mães vão se embora?
Mãe não tem limite, é tempo sem hora,
luz que não se apaga quando sopra o vento e chuva desaba,
veludo escondido na pele enrugada,
água pura, ar puro, puro pensamento. Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça, é eternidade.
Por que Deus se lembra - mistério profundo - de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre junto de seu filho
e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade.




Agosto é o mês dos pais, mas, para mim, é também o mês da mãe. Não há como esquecer que minha mãe era leonina - grande leoa.
Faria 75 anos no dia 14 de agosto, véspera da assunção de Nossa Senhora, por isso – Maria Assumção. Faleceu em 1998 – nove anos já se passaram e eu ainda, vez por outra, feito a Adélia Prado, tenho vontade de gritar: “Eu quero a minha mãe!”.
Estou saindo de férias. No próximo sábado viajo - levo o marido, umas poucas roupas, alguns Euros e o guia da Folha de São Paulo. Há muito queria fazer essa viagem à terra de Cervantes, mas agora o coração está apertado. Deixarei meu filho. A maternidade (e também a crise da aviação brasileira - confesso) me trouxe o medo da morte.
Penso nos versos de outro poeta, Mário Quintana - A Verdadeira Arte de Viajar: "A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa, como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo".
Já consegui viver assim, agora não consigo.
Nesse mês Brasília parece que é ainda mais Brasília – é poeira para todo lado, o céu muito azul, o ar quase irrespirável, os ipês florescem esplendorosamente nessa terra árida, como que a gritar: Que nos importa que tudo esteja seco, estamos vivos!
Isso sim que é coragem!
Meus caros amigos, se Deus quiser: Até a volta!

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Impressionista


Impressionista


Uma ocasião,

meu pai pintou a casa toda

de alaranjado brilhante.

Por muito tempo moramos numa casa,

como ele mesmo dizia,

constantemente amanhecendo.

Adélia Prado


O apartamento em que eu morava quando era solteira tinha paredes alaranjadas, armários azuis, o teto do meu quarto era amarelo, o sofá da sala era verde, o piso da varanda quadriculado - preto e branco. Nunca me esqueço de uma visita que, não conseguindo disfarçar a cara de espanto, perguntou: Almodóvar esteve aqui?
O apartamento em que moro atualmente (foto) não tem tantas cores nas paredes, nem nos móveis, muito menos no chão ou no teto. O que impressiona o meu lar atualmente é o calor da presença do meu marido, o sorriso do meu filho.
Confesso, sinto falta do alaranjado brilhante das paredes da sala, gostava de viver naquele apartamento constantemente amanhecendo (como diria o pai da Adélia). Também sinto falta de ver a cidade ao longe... era um sentimento gostoso de distanciamento, de não pertencimento...

Mas, quem disse que eu quero voltar? enfrentar o trânsito? De jeito nenhum.
Cada vida tem seu preço.

domingo, 5 de agosto de 2007

A madureza, esta horrível prenda...





A madureza, esta horrível prenda...”
Este verso é de Drummond. No livro “Entrevistas de Clarice Lispesctor" descobri que o Tom (Jobim) fez referência e ele em resposta a uma pergunta da Clarice. A poeta queria saber como Tom encarava o problema (grifo meu) da maturidade.
Ele tomou um gole de uísque e respondeu:
- Não sei, Clarice, a gente fica mais capaz, mas também mais exigente.
Concordo com eles. Assim é.
Quando era jovem eu dizia, com voz de desdém, que carro automático era carro de “coroa”, de “tiazona”. Hoje, dirijo um carro automático e, se Deus quiser e assim permitir, carro mecânico - nunca mais!
Como dizem os mineiros: “Ô Trem bão...”

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Exaltação


Exaltação
Viver!... Beber o vento e o sol!...

Erguer ao céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!
A chama, sempre rubra,
ao alto, a arder!...
Asas sempre perdidas a pairar,
Mais alto para as estrelas desprender!...
A glória!... A fama!...
O orgulho de criar!...



Florbela Espanca



Meu sobrinho Erich vai estudar na UnB.
Passou para Engenharia mecatrônica nesse último vestibular. Liguei eufórica para dar os parabéns. Ele atendeu com voz de sono: “Oi, tia...” “Obrigado, tia.” “Valeu...”
Fiquei meio sem jeito. Perguntei: “Está tudo bem?”.
Ele disse que sim, eu acreditei. Desliguei o telefone. Pensei: Deve ser o sangue germânico... Nunca vi o Erich exaltado por nada.
Quer dizer, mentira, eu vi sim, uma única vez.
Ele tinha uns 7 anos de idade. O pai, louco por fogos de artifício, acendeu um rojão e colocou na mão dele. O telefone tocou, o pai saiu correndo para atender. O Erich gritou:
- Porra, pai! Volta aqui! Você me deixou aqui sozinho com essa bomba na mão!
Foi essa, também, a única vez na vida em que vi o Erich dizendo um palavrão.
É. Além de ser muitíssimo inteligente, falar alemão, inglês e espanhol, ele é um dos jovens mais educados com quem já convivi.
Sei que ele é um jovem como muitos outros. Bisbilhoto o orkut dele.

(Aliás, vou criar uma comunidade no orkut: Eu bisbilhoto o orkut dos meus sobrinhos!) Ele participa de uma comunidade entitulada – “Eu adoro beijar na boca!”. Sei que ele se exalta! Só não o faz na minha frente! Paciência.
Passados uns minutos do telefonema, fiquei achando que a voz “blasé” devia ser porque ele ainda ia ter que enfrentar dois dias de provas no Galois - sim, para poder provar que já sabe toda a matéria do terceiro ano, mesmo ainda faltando seis meses para a conclusão.
No início do ano ele também passou no vestibular da UnB para mecatrônica, mas não conseguiu os 80% requeridos na prova do Galois. Quem entende?
Bom, eu entendo. A mensalidade custa R$1.200,00 X 12 = 14.400,00. Por que cargas d’água eles iriam fazer uma prova no mínimo justa?
Eu também considerei a possibilidade da falta da exaltação (que eu esperava) ser por conta da greve da UnB. Quem merece?
Ele não vai nem poder fazer a matrícula na data prevista!
Foi aí que eu percebi que minha curiosidade em saber o motivo da voz “blasé” do Erich, no fundo, era medo. Medo de que a UnB não fosse para ele o que foi para mim.
Quando entrei na UnB tinha 16 anos. Como o Erich, entrei no meio do ano. Vocês podem pensar que entrei cedo. Para mim, foi tarde!
Eu fui alfabetizada para entrar na UnB.
Explico: quando eu tinha 4 anos, a Lúcia, minha irmã mais nova, mãe do Erich, tinha 14; minhas outras duas irmãs, gêmeas, tinham 16; meu irmão, César, tinha 17 e a minha irmã mais velha, a Glória tinha 18. Ou seja, quem não estava na UnB, estava estudando para entrar.
Meu pai era funcionário do Banco do Brasil. Minha mãe ainda não trabalhava. Cada filho que entrava na UnB significava um aumento substancial na renda familiar.

Lembro que nos momentos de raiva meu pai gritava (perdoem-no, ele tinha 5 filhos adolescentes e 1 criança em casa!):
- Pago colégio particular, mas faculdade não! Quem não entrar na UnB que se prepare para trabalhar!
Aquilo entrou na minha cabeça de uma forma...
O que valia para os meus irmãos, com certeza, devia valer para mim também. Eu nem sabia o que era jardim de infância, mas UnB eu sabia – era o lugar onde eu tinha que entrar, senão meu pai ia ficar muito bravo!
Apartamento grande (308 sul), meus irmãos em seus quartos tentando estudar, lendo alguma coisa, e eu, por lá, pentelhando ora um, ora outro. Um me dava uma folha de papel, o outro emprestava um lápis, um ensinava uma coisa, eu aprendia, ia mostrar para o outro. Fui mesmo alfabetizada em casa, aos 4 anos de idade.
Minha irmã, Glória, foi Miss UnB – 196?. Fazia arquitetura, faço idéia o sucesso que ela devia fazer ao passar pelo Ceubinho... (A Carla Peres perderia para ela em circunferência do quadril).
Pois é... para quem não sabe, Ceubinho é um lugar dentro da UnB, próximo à Faculdade de Arquitetura, onde todo mundo se encontra para não fazer nada ou para jogar: conversa fora ou truco. Viram só? Essa é, ainda hoje, a maneira pedante, dos UnBestas, dizerem que gente inteligente, que quer alguma coisa da vida, que faz alguma coisa da vida, não vai para o UniCeuB.
Grande mentira. Todos sabem que trabalhar e estudar na UnB requer um esforço sobre-humano. O mais comum é que quem precisa trabalhar, quem quer fazer mais alguma coisa da vida além de estudar, acabe mesmo fazendo Ceub, ou outra Faculdade particular. Foi o caso da minha irmã Fátima, a Mama.
Ela começou a fazer jornalismo na UnB. Meu sobrinho Rodrigo, filho dela, foi o bebê inaugural, o primeiro a ser matriculado, na creche da UnB. Depois, como ela estava trabalhando no Banco Central, não deu para continuar na UnB. Acabou se formando no CeuB. Mas, adivinhem onde ela estuda hoje? Na UnB. Faz Educação Artística. Está prestes a se formar.
Passei na UnB meus anos dourados – dos 16 aos 20 anos. Namorei muito, confesso. Fiz os 4 pontos cardeais -namorei na Faculdade de Saúde, na de Relações Internacionais, na de Engenharia, no C.O. Fazia em média 30 créditos por semestre, estudava inglês e ainda jogava handeball pela UnB.
Um tempo bom que não volta mais.
Em 2005 eu voltei à UnB, para o mestrado em Psicologia da Saúde.
“Não se pode entrar no mesmo rio duas vezes” É, quando entrarmos de novo, o rio já não é o mesmo, e nós também não.
Encontrei grades nas saídas do minhocão e nas portas das salas dos professores. Não encontrei papel higiênico nos banheiros. Meus mestres? Também não estavam mais lá. Muitos morreram, outros se aposentaram, alguns, professores eméritos, por vezes passavam calmamente, como ilustres desconhecidos, por entre jovens que esbarravam neles sem saber que aprenderiam seu ofício de psicólogos em livros escritos por aqueles senhores de cabeças branquinhas. Os novos docentes? Meus colegas de graduação e pós. Gente boa, mas sem entusiasmo (salários baixíssimos - não justifica, mas...), sem brilho, sem o poder de inspirar aqueles jovens. Presenciei brigas de departamentos, de colegiados, baixarias mesmo – fiquei pasma!
Foi como se, maravilhada com o espetáculo, eu tivesse decidido ir à coxia, e o encanto tivesse se quebrado...
Ano passado levei meu filho, que hoje tem 5 anos, à UnB e fui mostrando: Ali é o prédio onde seu pai e sua Dinda estudaram, ali onde seu Dindo e seu Tio Silvio estudaram. Esse todo colorido é onde Tia Mama estuda. Neste, que parece uma minhoca gigante, foi onde eu estudei. Depois levei ele ao C.O – aqui é onde seu Tio Silvio morava quando veio estudar aqui.
Meu filho ficou abismado:
- Mãe, que escola grande! É muito maior que a minha!

Nó na garganta. Como será que a UnB vai estar quando chegar a vez dele? Será que ele vai querer estudar lá? Ainda vai haver vestibular? E as cotas, meus Deus, no que é que isso vai dar?
O que diriam Anísio Teixeira e Darci Ribeiro se estivessem na UnB hoje?
Nosso Museu Nacional, na Esplanada, apesar da ausência do nome na placa, chama-se Honestino Guimarães. Vou contar ao Erich tudo o que sei sobre Honestino - um jovem preso no campus da UnB em 1968. Líder estudantil - foi expulso na universidade porque se exaltava. Em 1973, sumiu, foi morto, também porque se exaltava.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Virtudes



Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas,
que já têm a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre
aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos.

Fernando Pessoa


Esta semana, em reunião informal para planejamento de atividades, eu e outros membros da equipe de saúde do Tribunal buscávamos enumerar o que é preciso para que uma pessoa efetivamente mude seus hábitos e tenha uma vida mais saudável.
As perguntas que nos fazíamos eram: o que é necessário para que alguém consiga fazer exercícios regularmente? Ou para que passe a se alimentar adequadamente? Que qualidades têm as pessoas que conseguem tomar sua medicação da forma prescrita pelo médico? Que virtudes têm aqueles que conseguem parar de fumar ou de beber? Enfim, nos questionávamos sobre o que as pessoas precisam ter para fazer mudanças?
Algumas das palavras que surgiram durante a conversa foram: perseverança, disciplina, prudência, temperança, fortaleza, paciência, sabedoria, coragem e otimismo.
A reunião foi divertida. Um falava uma virtude, o outro dava um exemplo, uma justificativa. Dali a pouco estávamos procurando achar o que era mais importante.
Um colega disse:
- Para mim, a virtude chave é a disciplina. Sem disciplina nada vai adiante.
Houve quem dissesse que a perseverança era a qualidade mais importante:
- De nada adianta ser disciplinado, fazer exatamente o que a nutricionista determinou, se a pessoa não consegue permanecer firme e constante em seu propósito.
O outro retrucou:
- Temperança! Equilíbrio, moderação é tudo!
Então, alguém falou:
- O que é mais importante eu não sei. Sei é que sem resignação, sem aceitação, a mudança nem começa.
De pronto concordei. Se a pessoa não percebe a necessidade da dieta, do exercício, do medicamento – nada feito!
Contudo, refleti: para que haja essa aceitação, essa resignação, o sujeito da mudança depende dos outros. Não só o médico, a enfermeira, o fisioterapeuta, a nutricionista, a psicóloga, ou outro profissional de saúde qualquer, são importantes para propiciar a aceitação. Cada pessoa que tem alguém querido ao lado, necessitando fazer uma mudança, precisa dar apoio para que a mudança possa começar. É preciso dar um empurrãozinho, motivar, senão, também, nada feito! E aí, a virtude que entra em cena é a empatia.
Muitas vezes se fala que se tem empatia por alguém, usando a palavra empatia como se fosse o mesmo que simpatia. Empatia e simpatia são duas coisas diferentes. Empatia é a capacidade de sentir como seria estar na situação em que outra pessoa está, é poder se colocar no lugar de outra pessoa e vivenciar o sentimento que aquela outra pessoa tem. A empatia é muito importante nos relacionamentos humanos. Uma pessoa que tem capacidade empática compreende melhor os sentimentos de outra pessoa e isso facilita a comunicação, o acolhimento daquele que sofre.
Acolhimento é outra palavra importante aqui. Ser acolhedor é oferecer atenção, é escutar a pessoa falar sobre sua dificuldade. Estamos cansados de saber que o cigarro faz mal a saúde, mata. Então, por que é que tem gente que fuma? Todas as pessoas que têm pressão alta sabem que não podem exagerar no sal, na gordura. Por que, mesmo depois de um enfarto ou de um AVC, algumas pessoas não conseguem fazer uma dieta?
Para ajudar as pessoas a se resignarem, a aceitarem verdadeiramente a necessidade da mudança, de nada adianta aterrorizar. De início, é preciso compreender o que elas sentem, ajudá-las a descobrir porque é tão difícil para elas.
Se colocar no lugar do outro, ser empático com o outro, é uma qualidade que enriquece as relações e aproxima as pessoas possibilitando o encorajamento para a mudança. Não é preciso que a gente tenha passado exatamente pela mesma situação pra compreender o que a outra pessoa está sentindo. Um homem é capaz de compreender o sentimento de uma mulher e vice-versa, um jovem é capaz de compreender o que sente um idoso, uma pessoa saudável consegue compreender a dor de alguém doente.
Se quisermos apoiar aqueles que amamos, ou com quem trabalhamos, a realizar as mudanças necessárias - além da empatia, precisamos ter: compaixão, respeito e confiança.
Que virtudes eu acho mais importantes? Otimismo e fé. Todo dia é um bom dia para tentarmos novamente! Amanhã, depois de uma semana sem ir à academia, eu volto – se Deus quiser, e Ele há de querer!

terça-feira, 17 de julho de 2007

Festa no Céu


Minha avó, Dona Alzira, me contou que, um dia, no tempo em que os bichos falavam, começou a correr pela mata a notícia de que ia ter uma festa no céu.
Foi o maior alvoroço entre a bicharada. Tudo o que era bicho queria ir. Mas quando estavam todos perto do rio, na hora de beber água, descobriram que a festa não era para todo mundo.
O macaco, o veado, a cutia, a capivara, o sapo e o jabuti conversavam sobre a festa quando o bem-te-vi explicou:
- Galera, a festa é no céu, bicho que não sabe voar não pode ir!
Tristeza geral.
O sapo, inconformado, bolou um plano. No dia da festa deu um jeito de se esconder dentro da viola do urubu. Ajeitou-se bem encolhidinho num cantinho e ficou lá. O urubu levantou vôo e foi embora voando rumo à festa, com a viola nas costas e o sapo dentro.
No caminho, o urubu foi sentindo cada vez mais o peso da viola. Começou a reclamar, a suar, a cuspir... Deve até ter feito coisa pior porque o fedor era tanto que o sapo não agüentou e acabou espirrando.
Com os espirros, o urubu, que já ia chegando à festa, descobriu tudo.
- Ah, então é isso é? É você que está pesando dentro da minha viola, né?
Na porta do céu começou a maior balbúrdia.
A arara berrava:
- Joga o penetra lá em baixo, deixa ele se esborrachar no chão!
A andorinha tentava apaziguar:
- Coitado! Deixem o pobre falar.
O sapo pedia desculpas, implorava para ser perdoado.
O tucano se intrometeu:
- Sem castigo é que ele não pode ficar!
O urubu foi taxativo:
- E eu é que não vou carregar ele de volta!
Então a garça sugeriu:
- Joga logo ele lá embaixo que eu quero ver o estrago!
Quando o urubu começou a sacudir a viola com o buraco para baixo, o sapo se desesperou, começou a chorar e a gritar:
- Pelo amor de Deus, já que vocês vão me jogar lá embaixo pelo menos não me joguem n’água! Não me joguem n’água! Na água não!
O urubu revoltado disse:
- Ah! Você não quer ser jogado na água não é? Pois é pra lá mesmo que você vai!
E vupt! Jogou o sapo na água.
O sapo, muito esperto, caiu dentro da água e saiu nadando numa boa, dando graças a Deus por não ter sido jogado na terra.
Tal e qual o sapo, fez meu filho, esta semana. Depois de ter sido grosseiro com a babá, foi avisado pelo pai de que ia ficar sem assistir a seu canal favorito na TV - Discovery Kids. Ao que, de pronto, retrucou:
- Pai, nem te conto, acredita que agora eu estou gostando muito é do SBT?
Lá em casa não colou, não. Ficou sem o Discovery Kids mesmo.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Ah! Minha vida com Fräulein


Domingo de manhã - a primeira coisa que faço é conferir os números do sorteio da Mega-Sena. Não, não foi desta vez. Alguém em Florianópolis está milionário, não eu. Sei que vou passar o dia, não, a semana, atendendo a ligações de candidatas à vaga de doméstica aqui em casa.
Piedade, Senhor, piedade!
Pergunto sempre as mesmas coisas a quem liga: “A senhora é uma boa cozinheira?”. 99,8% das vezes, a resposta é: “Eu cozinho... (reticências)”. Se eu pergunto: “O que é que a senhora sabe fazer, assim... muito bem?” A resposta, 99,8% das vezes é: “Lasanha, estrogonoff...(reticências, mesmo!)”. Os outros 0,2 % incluem umas coisas estranhas como: "bife à roleta" (Será russa, Jesus? Salve-se, quem puder!) e "frango afogadinho" (onde, meu Deus, essa criatura afoga o frango?).
Essa pergunta parece simples, mas não deve ser. Algumas candidatas parecem que foram treinadas em cursos de formação de psicoterapeutas. Elas respondem uma pergunta com outra, de entrevistadas passam a entrevistadoras: “O que é que a Senhora gosta de comer?”.
Gente, como se diz lá em Minas: "Tem base um trem desses?". Até bronca eu já levei.
- “A senhora devia colocar um número de telefone fixo no anúncio! Pensa que quem está procurando emprego tem dinheiro pra ficar ligando pra celular é?”
Vocês acham que foi só essa vez? Não, teve outra. Uma candidata reclamou porque ficou ligando segunda-feira durante a manhã toda e eu não atendi. Que pena, né? Eu tinha que trabalhar!

Melhor escutar essas coisas do que ser surda.
Entre uma ligação e outra fico pensando: E se eu realmente tivesse acertado os números? Ia ter uma casa maior, ou melhor, casas maiores - e seria ainda mais difícil conseguir boas empregadas. Jesus, ser milionário: benção ou castigo?
O que sei é que não ia querer nunca mais me preocupar com nada - sobretudo com as pequenas coisas de casa. Eu nunca mais ia querer ouvir alguém dizendo: “O microondas está fazendo um barulho esquisito, acho melhor a senhora chamar alguém para vir dar uma olhadinha...” (Essa olhadinha do técnico da Brastemp custa R$25,00, dá para acreditar? O sujeito só tem que atravessar a rua!)
Se um dia eu ficar muito rica (sim, porque só rica, não basta) vou querer uma governanta, e ela que cuide de contratar as empregadas, ensinar como a casa funciona e demiti-las, quando for o caso.
Taí, se um dia eu ganhar na Mega minha primeira providência será: uma governanta, uma Fräulein!
Ela é quem ensinaria às “dods” onde são guardadas as colchas, as toalhas, o que combina com o quê, qual a travessa do arroz, qual o ponto certo do filé do Sr. Fabiano, quais os ingredientes da vitamina que ele toma todas as manhãs e etecetera e etecetera e tal.
Fräulein é quem ia dizer à arrumadeira como são guardadas as camisas do Sr. Fabiano - o que, aliás, é simples: cabides todos na mesma direção, começando com as de cores mais claras até as mais escuras, e fim de papo. Queria vê-la explicar como são guardadas as minhas camisas! Jesus! Como será que se constrói o conceito que permite uma pessoa saber a diferença entre as camisas que uso para sair de dia, para ir a festas, para ir à ginástica e para dormir? Deve ser uma derivação do que é lavado à mão, o que se coloca na máquina, o que vai para a lavanderia... não, não pode ser assim tão difícil, não é mesmo?
Queria ver também como é que ela faria para que as empregadas entendessem que do queijo branco, de Minas, elas podem usar - e abusar -, mas que daquele que parece que está todo mofado, elas não podem. Eu não dou conta de falar. E a culpa? Para isso - Fräulein!
Com ela tudo haveria de entrar nos eixos! O arroz teria a quantidade certa de sal, não estaria nem muito solto, nem muito grudado; os guardanapos estariam sempre limpos e bem dobrados; o vazamento no box do banheiro seria consertado; o parafuso da porta do armário, que tinha caído, estaria como se nunca tivesse saído do lugar; e “lâmpada queimada” seria apenas uma expressão sem muito sentido.
Ah! Minha vida com Fräulein...
Estou pensando seriamente em imprimir este post para depois jogá-lo ao vento. Quem sabe, como no filme Mary Poppins, Fräulein não desce das nuvens?

sábado, 7 de julho de 2007

Bão Também (25 de junho de 2007)



Essa, todo mundo já ouviu, mas eu vou contar do meu jeito e, já aviso, vou mudar o final...
Um sujeito bem matuto, lá do interiorzão de Minas Gerais, um dia, encontrou sei lá eu onde, nem como... a lâmpada do Aladim. Esfregou a lâmpada e lá de dentro saiu o gênio. E, tal e qual aconteceu com o Aladim, o mineiro foi orientado pelo gênio a fazer três pedidos. E não é que ele pediu de cara - um queijo!
-“Um queijo?” - perguntou, surpreso, o gênio.
-“É, Seu Gênio, um queijo, daqueles redondos, desses daqui de Minas mesmo, se o Senhor puder, é claro!”
Concedido o pedido. O gênio que tinha ficado séculos preso dentro da lâmpada e estava doido de vontade de terminar logo suas obrigações, começou a apressar o mineiro:
- “Vamos lá... O que mais você vai querer?”.
- “Ah, sei não. O Senhor vê aí... O que o Senhor quiser me dar, tá bão.” - disse o sujeito.
- “Não, de jeito nenhum, o pedido é seu. Peça o que quiser”, respondeu, sem paciência, o gênio.
Depois de pensar um pouquinho, o sujeito falou: - “Pois me dê outro queijo!”.
O gênio fez uma cara de “Não tô acreditando”, um “Txacabum” - e o segundo queijo apareceu.
Aí, chegou a hora do terceiro pedido. O gênio tornou a apressar o sujeito:
- “Vamos logo, escolha com sabedoria seu terceiro e último pedido!”
O mineiro foi ficando assim, meio sem jeito, olhou para os lados, para o chão, colocou a mão no bolso, coçou a cabeça... Não sabia o que pedir.
O gênio, receando que ele pedisse outro queijo, já com pena do sujeito, tratou de dar uma sugestão.
- “Você é um moço tão sozinho. Por que não pede uma boa moça, bonita, sincera, saudável, carinhosa, paciente. Alguém que possa lhe fazer companhia, você me entende?”
- “Uai, Seu gênio, e o senhor tem a condição de fazer aparecer uma moça assim, com um “txacabum” desse seu aí, tem”?
- “Tenho. E também posso lhe trazer fama, ou fortuna. Posso fazer aparecer uma linda fazenda - só para você! O que prefere?”
- “Tô besta!” – disse o mineiro, olhando o gênio de cima a baixo, sem saber ao certo se acreditava.
- “E aí, o que vai ser?” – insistiu o gênio.
- “Pode ser a moça mesmo... do jeito que o Senhor falou”, disse o sujeito, meio que para se ver livre do gênio.
E “Txacabum” o gênio fez surgir uma linda moça bem na frente do matuto.
A moça, toda meiga, já foi dando o braço para o mineiro e os dois já iam saindo dali, caminhando pela estrada, quando o gênio chamou o matuto e disse:
- “Já pensou se eu deixasse você escolher. Era bem capaz de você estar aí agora com três queijos, hein?”
O mineiro, todo satisfeito, segurando seus dois queijos e de braço dado com a moça disse:
- “Uai, era bão também, né?”

Pois é gente...
Proponho a vocês que essa semana, seja a nossa semana – Bão também.
Explico. Quero que vocês prestem atenção naquelas coisinhas à toa que acontecem de repente e deixam a gente feliz.
Por exemplo: achar uma vaguinha para estacionar o carro na sombra, justamente quando a gente achava que ia ficar horas procurando por uma vaga; achar aqueeeele Alpino esquecido dentro da bolsa, bem naqueeeeele dia da TPM; descobrir que a reunião importantíssima para a qual você está suuuuper atrasada ainda não começou; vestir aquela calça que há tempos você não usava e perceber que não só ela serve, mas até está meio folgadinha...
Enfim, diante desses pequenos milagres, desses “Txacabuns” geniais, ou, como diz o meu Professor de ginástica André Sá: “dessas bençãos de Deus em nossas vidas!”, vamos dizer em voz alta: “Bão também!”.

PS1: Deixo aqui registrado meu apreço e carinho pelo povo de Minas Gerais e seus maravilhosos queijos. Com esse “causo” pretendi enaltecer sua simplicidade e sabedoria. Longe de mim querer fazer “troça” deles, viu?

PS2: Se vocês quiserem compartilhar os “Bão também” de vocês... tô aqui...

Is everybody free? (23 de junho de 2007)


Semana pós- exames periódicos de saúde. Semana pós-remoção de tártaro dos dentes. Semana pós-Mônica Veloso.
Concluo que existem conselhos que são válidos para todo o sempre: tome cálcio, poupe seus joelhos, alongue-se, use fio dental; e existem, sim, algumas coisas que nunca vão mudar: políticos são promíscuos...
E, sim, você já ouviu isso antes.
Mary Schmich escreveu “quase” isso em uma coluna no Chicago Tribune em 1997. Em 1999, Baz Luhrmann encaixou o texto em uma música, que passou a ser tocada em 11 de cada 10 festas de formatura e em 2003, o Bial (sim o Pedro) apareceu no Fantástico traduzindo o texto... Lembrou?
Minha amiga Janne se forma esta semana (No fim deste post vocês encontrarão um recadinho todo especial pra ela. Ela foi também a inspiração para a escolha da ilustração aí acima). Assim, foi impossível não lembrar de “Everybody is free (To wear sunscreen)”! Procurei e encontrei no You tube: http://www.youtube.com/watch?v=xfq_A8nXMsQ

Aproveitem, reflitam, comentem. Estou no aguardo.

Para mais informações sobre To wear Sunscreen:
http://en.wikipedia.org/wiki/Everybody's_Free_(To_Wear_Sunscreen)

Ah, Janne, if I could offer you only one tip for the future.... sunscreen would also be it...

Mas de resto:
Passe uma semana, sozinha, em São Paulo: vá ao teatro, a um grande show, ao MASP, compre sapatos lindíssimos, coma em um excelente restaurante, volte antes que o dinheiro acabe e a poluição afete seus olhos. Passe, também, uma semana sozinha em Alto Paraíso: vá ao Vale da Lua, à Fazenda São Jorge, ao morro da Baleia, caminhe pela chapada, faça uma massagem, como pizza feita na pedra, encontre alguém que jogue tarot pra você. À noite, deite de barriga pra cima perto de uma fogueira e fique olhando as estrelas, mas volte antes que alguém te convença a ir ver disco voadores ou que os mosquitos te carreguem...
Porque, Janne, mesmo que você possa contar com Tarzan, o Boy, e até mesmo com a Chita - é importantíssimo saber se virar sozinha na selva!
Benhê, parabéns pela formatura! Te amo D+!

Procurando chifre em cabeça de cavalo (19 de junho de 2007)



Um dia... pronto!... me acabo.
Pois seja o que tem de ser.
Morrer: que me importa?
O diabo é deixar de viver!

Mario Quintana
Chegada a hora de fazer seus exames periódicos de saúde, percebi que, de início, fiquei arranjando mil desculpas para não marcar logo a consulta inicial – “Essa semana é impossível!”, “Isso vai virar minha vida de pernas para o ar!”. Quando finalmente consegui marcar a tal consulta, faltei. Depois remarquei, fui, mas se atrasei. Na semana seguinte perdi os pedidos de exames, demorei uns dois dias para localizá-los - hemograma completo, mamografia, ecografias mamária e transvaginal, densitometria óssea e mais o encaminhamento para o ginecologista. Pode até não parecer muita coisa, mas, para mim, era. Só pensava na osteoporose da minha mãe, do AVC da minha irmã, no câncer de mama da minha outra irmã, nos meus fibroadenomas... Em fim, estava com medo. Medo de descobrir-me doente. Medo de confrontar a possibilidade de morrer.
“O medo é a presença do terrível-não-acontecido, se apossando da nossa vida”, escreveu Rubem Alves. Pode ser que apareça alguma coisa nos exames. Pode. Entretanto, ainda não apareceu e nem sabemos se aparecerá. Contudo, lá estava eu, paralisada de medo.
Já escutei algumas pessoas falando: “Para que fazer exames quando a gente está bem? Essa coisa de prevenção é invenção de médicos, hospitais e laboratórios para ganhar dinheiro! Eu não fico procurando chifre em cabeça de cavalo... Quem procura, acha!”. Eu penso é que quem procura, se não tem, não acha. E se tem, acha e trata, com muito mais chance de sucesso. Mas, na hora do “vamô ver como é que fica...”, o buraco é mais embaixo...
O medo não é uma perturbação psicológica, é parte de nossa alma. O que devemos observar quando temos medo é se, por causa dele, nos encolhemos, nos escondemos, rastejamos, ou corremos o risco, nos atiramos, voamos. O passarinho que por medo do gavião se recusasse a sair do ninho, já teria perdido a própria vida. O medo lhe teria roubado o que de mais precioso existe na vida de um pássaro – o vôo. Quem por medo da morte, prefere fugir, já, neste ato estará morto. O medo lhe terá roubado o que de mais precioso existe na vida humana: a capacidade de se arriscar para viver plenamente o que se ama.
Nós, humanos, somos os únicos animais a ter prazer no medo. Ficamos nas manhãs de domingo extasiados diante da TV assistindo às corridas de fórmula 1 - homens dirigindo em alta velocidade, passando a poucos centímetros de muros, fazendo curvas acentuadas, freando bruscamente. É de dar medo...
Soube que Viviane Senna após ter perdido o marido e o irmão em acidentes, temia que o filho também retomasse sua carreira automobilística. E foi exatamente o que aconteceu. Um dia ele disse: “Mãe, é isso que eu quero. Preciso voltar a correr”.
Quem, a despeito do medo, se arrisca e escolhe a vida, triunfa sobre a morte. Morrerá quando a morte vier e não antes. Coragem não é ausência de medo, é viver a vida aceitando o risco da morte, a despeito do medo.
E lá vou eu... fazer o quê?
Mamografia!!!

O canto das sereias (25 de abril de 2007)


Esta semana, um amigo, também psicólogo, me contou que estava atendendo em seu consultório uma mulher de uns 40 anos. Estava no mesmo emprego há 20 anos, ela havia tido um “colapso” no posto de trabalho, seu braço literalmente “travara”. Em tratamento por LER/DORT[1] e com sintomas de depressão, a mulher o procurara buscando ajuda. Meu colega compartilhou comigo a história desta mulher porque não compreendia como ela, por tanto tempo, conseguira ignorar a dor. “Por que ela só parou quando ‘travou’?”, se perguntava ele.
Infelizmente, o que aconteceu com essa mulher não é raro, chama-se exaustão por sobrecarga de trabalho. Estamos em uma época em que é comum nos auto-acelerarmos, de tal forma que por vezes paramos de sentir. Tratamo-nos como máquinas. Ignoramos os sinais de cansaço, a vontade de ir ao banheiro, de beber água, de jogar conversa fora com o colega da mesa ao lado. Até que, ficamos exaustos e, como máquinas, “pifamos”, damos “defeito”, “travamos”.
Assim como há pessoas que diariamente procuram esculpir o corpo em academias, para atingirem seus ideais de beleza, há pessoas que vivem apressadas e sem tempo, para atingirem seus ideais de sucesso. No trabalho querem ser insubstituíveis, indispensáveis, elas têm medo de perder o reconhecimento, o emprego, a gratificação.
Em geral são pessoas que se apaixonaram por seus trabalhos e reagem à instituição como se ela fosse mesmo uma pessoa. Passar naquele concurso, entrar naquela instituição, representou muito em suas vidas, possibilitou que elas ajudassem parentes menos favorecidos, casassem, comprassem um imóvel, fizessem as viagens dos seus sonhos e, principalmente, constituiu suas identidades. O pensamento que estas pessoas têm é mais ou menos assim: “Como é que, depois de tudo o que a instituição me proporcionou, eu vou decepcioná-la? Eu não posso parar!”.
Mais de uma vez, acolhi no consultório pessoas com um sofrimento intenso, nas mãos traziam atestados médicos concedendo-lhes licenças para tratamento da própria saúde, que elas não pretendiam apresentar no setor de trabalho. “O que meu chefe vai dizer? E meus colegas? Não posso deixá-los na mão!”. Tudo ficava ainda mais difícil quando eu pontuava que o tal “tratamento da própria saúde” devia incluir dar-se alguma forma de prazer – fazer uma massagem, ir ao cinema, passear, viajar. “Como assim? E se eu encontrar alguém no shopping? O que as pessoas vão dizer quando eu voltar ao trabalho bronzeado?”.
Olho para essas pessoas com profunda compaixão, é difícil escapar do canto das sereias.
Pelo que sei, a primeira história de sereias remonta à "A Odisséia" de Homero. De acordo com a mitologia grega, seu canto era tão belo que os marinheiros hipnotizados acabavam jogando seus barcos contra os recifes.
Ulisses, obrigado a passar com seu navio diante das sereias, mas advertido por Circe, tapou suas orelhas e recomendou que todos os seus companheiros fizessem o mesmo. Mandou que amarrassem seus pés e mãos ao mastro principal. Além disso, proibiu que o tirassem de lá, se, por acaso, ouvindo o canto das sereias, ele exprimisse o desejo de sair. Essas precauções não foram inúteis. Ulisses, mal ouviu as doces e sedutoras vozes das sereias, deu ordem para que seus marinheiros o soltassem, o que felizmente eles não fizeram.
Já nos relatos de Ovídio, um oráculo predissera que as sereias viveriam tanto tempo quanto pudessem deter os navegantes à sua passagem, mas desde que um só passasse sem para sempre ficar preso ao encanto de suas vozes e das suas palavras, elas morreriam. Por isso essas feiticeiras, sempre em vigília, não deixavam de deter todos os que chegavam perto delas e que cometiam a imprudência de escutar os seus cantos. Elas tão bem os encantavam e os seduziam que eles não pensavam mais no seu país, na sua família, em si mesmos. Esqueciam de beber e de comer e acabavam morrendo.
Quando os Argonautas passaram por suas paragens, entretanto, as sereias não conseguiram atraí-los. Orfeu, que estava embarcado no navio, tomou sua lira e tocou tão lindamente que elas emudeceram.
Creio que da mitologia grega vem, também, a solução para a exaustão no trabalho. É importante que alguém, como Circe fez com Ulisses, nos avise sobre os perigos, mostre-nos os sinais; é necessário ter determinação para nos livrarmos da sedução, do encantamento; é preciso pedir ajuda ou, então, nos encantarmos por algo verdadeiramente belo, como a música de Orfeu.
O jeito de escapar ao canto das sereias é inventar no cotidiano, nos relacionamentos, no trabalho, uma vida mais centrada em valores como amizade, amor, autoconhecimento, reflexão crítica. Parece pouco, mas não é - é o trabalho de um herói grego.



[1] Dá-se o nome de LER ao conjunto de doenças causadas por esforço repetitivo. A LER envolve tenossinovite, tendinite, bursite e outras doenças. A LER também é conhecida como lesão por trauma cumulativo. Muitos estudiosos já preferem chamar as LER de DORT - doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho.


Eu adoro bolsas (17 de abril de 2007)


A Vogue deste mês parece uma bíblia. Não pelo conteúdo, mas pelo peso. O pacote é três em um, você compra a Vogue e leva junto a Vogue jóias e a Vogue Kids – quase 500 páginas.
Domingo à tarde agarrei minhas revistas e um pote de sorvete de morango Häagen-Dazs e me atirei no sofá. Aproveitei que meu marido e filho estavam dormindo e fiquei horas folheando a revista, brincando de ser rica.
Esbarrei em uma reportagem louca. Explico. A manchete era: “S.O.S Costas – A obsessão dos estilistas por bolsas pode deixar você em maus lençóis”. A jornalista Victoria Ceridono contava como teve que mudar sua rotina fashion por ordens médicas. No texto o ortopedista Henrique Haidar Jorge explica que o peso em excesso desgasta a articulação do ombro, desloca a coluna e tira a musculatura de sua posição ideal. Um quilinho extra na bolsa significa três vezes mais impacto no quadril e quatro no joelho.
Tudo bem, ou melhor, ou pior, tudo mal. As ilustrações da matéria eram as maxibolsas mais cobiçadas do planeta! Da Burberry, da Marni, uma mochila laranja da Prada e, por fim, a bolsa de verniz da Chanel, hit entre as editoras de moda de Paris. Quase derramei sorvete na revista. Babei!
Eu adoro bolsas. Incondicionalmente. Minhas amigas sabem disso. Posso ser vista com 1,5 cm da raiz do cabelo sem tintura, de chinelo, sem batom (isso é freqüente), com as pernas sem depilar e as unhas por pintar, mas com bolsinha sem estilo – nunca! Pode ser de palha, de plástico ou de continhas coloridas, mas eu com certeza as estou achando lindas!
Não tenho todas as bolsas que amo, mas amo as bolsas que tenho – não são muitas, mas gosto mesmo muito delas.
Não combino bolsa com sapato, muito menos com a roupa. Sei que devia, sei que bolsas são um acessório exigente e difícil, mas, não forço a barra. Na hora de sair pego a que estou com vontade e saio, sem olhar para o espelho.
Minhas bolsas em geral são atoleiros de extratos bancários, contas a pagar, batons sem tampa, cremes hidratantes de validade desconhecida, absorventes fora da embalagem, moedas de euro que sobraram da viagem feita a Roma em agosto do ano passado, cartões de embarque de viagens aéreas cuja memória se perdeu (gente, não é que eu já estive em João Pessoa?), chaves de gavetas de mesas de trabalho que eu já deixei há anos, canetas que não escrevem direito, óculos arranhados, uma escova de dentes que parece ter sido usada para limpar prataria, celular com bateria descarregada e brinquedos para distrair meu filho em restaurantes, consultórios médicos ou qualquer outro lugar em que “role uma espera”.
Quando compro uma bolsa nova é como ano novo. Faço votos que não cumpro depois. Juro que desta vez vai ser diferente. Jogo “coisas” fora e separo objetos absolutamente necessários – a carteira, meu rímel L’extrême da Lâncome – TUDO DE BOM – e um gloss. Da última vez usei até uma bolsinha própria para cosméticos, toda reluzente, como as que minhas amigas competentes usam para poder mudar de bolsa com rapidez e sem transtorno. Em questão de dois dias, porém, minha bolsa acumula novamente o lixo de uma vida. Os cosméticos misteriosamente pulam da bolsinha (tudo bem, eu sei que esqueci de fechá-la!) para a parte interna da bolsa, ou aparecem no bolso externo da bolsa, onde eu jurei que só colocaria chaves.
O pior é quando o VISA resolve desaparecer. A última vez foi quando estava na farmácia, pagando pelo filtro solar que deve custar uma semana do salário da moçinha do caixa – fiquei pra morrer de constrangimento. Fazer o quê? Meu rosto está todo descamado por causa do ácido que estou usando para tirar manchas e reduzir a oleosidade da pele. Tenho medo de comprar um outro mais barato e desobedecer à dermatologista – cuja consulta (de meia hora) deve custar mais de uma semana do salário da vendedora... Enfim, achado o cartão, paguei pelo filtro - que na semana seguinte estava sem tampa, escorrendo pelo forro da bolsa.
Responsáveis por boa parte do peso da minha bolsa são agendas e caderninhos (aqueles que são vendidos nas saídas dos museus). Sempre tenho uns dois ou três dentro da bolsa.
Meu marido me deu uma maravilha tecnológica - dessas que prometem conectar você ao mundo, guardar nomes, endereços, telefones e e-mails de todos que alguma vez já te deram um bom dia. Só que a “maravilha” funcionaria, apenas, se a bateria fosse carregada – coisa difíííícil de acontecer... Ele diz que não acredita em papeizinhos, quando me vê anotando telefones ou horários de consultas em um das minha três agendas ou, quando não as localizo - no verso daqueles folhetos que colocam nos pára-brisas dos carros oferecendo dinheiro rápido, o coitado fica em tempo de enfartar.
Quando entro no elevador e me olho no espelho, por vezes, fico rindo sozinha, feito besta. É que alguns dias pareço os xerpas, aqueles guias do Nepal que carregam as coisas dos alpinistas que vão escalar o Everest.
Um amigo me disse que, invariavelmente, uma mulher que carrega uma garrafinha de água para onde vai é uma chata. A partir de então carrego só, meia garrafa.
Eu poderia fugir de casa levando somente minha bolsa. Acreditam que agora que eu voltei para ginástica, consigo acomodar meu tênis na bolsa?
Minha bolsa é um buraco negro e denso. Passo horas tentando pescar coisas lá dentro (uma lanterna poderia ser útil, mas se eu a guardasse na bolsa...), mas não a abandonarei, mesmo tendo medo de ter uma bursite e de precisar de uma cirurgia após anos usando bolsas com quase 5 quilos de tralha.
Queridas, acima, ilustrando esse post - meu soooonho de consumo – essa bolsinha Jimmy Choo de €791,67.